CONFISSÕES DE ESPÍRITOS
Quando o Espírito do jovem militar se
manifestou pela primeira vez, sucedeu o que quase invariavelmente acontece
nessas circunstâncias, como o sabem todos os que experimentam, isto é, que o
Espírito, reabsorvendo fluidos humanos e volvendo parcialmente às condições
terrestres, quais as em que se achava no termo da sua existência, não pôde
deixar de ressentir e, por conseguinte, de transmitir ao médium os sintomas que
lhe caracterizaram a agonia. Dessa vez, a mão do médium foi presa de tremores e
de impressionantes arrancos convulsivos, que lhe faziam saltar o braço em todas
as direções. Quando, por fim, essas convulsões se acalmaram, ditou o Espírito o
que segue:
“Foi o que se deu
comigo, quando caí mortalmente ferido pelos estilhaços de um obus. Disseram-me
que a minha morte ocorreu em menos de um minuto; as convulsões da agonia foram,
pois, muito curtas, embora eu tenha tido a impressão de durarem longas horas.
Não te assustes; isto não te trará consequências más. Quanto a mim, estou perfeitamente
bem; mas, voltando ao meio terrestre e pensando na minha morte, não posso
evitar se reproduzam os sintomas que a acompanharam.
Quando fui
ferido, achava-me à borda de uma trincheira e, quando as convulsões cessaram,
estava morto. Senti-me então, como antes, em perfeito estado de saúde. Via-me
trajando o uniforme militar. Meu primeiro pensamento foi para “Bem” (seu
filhinho) e, ao pensar nele, vi-me logo transportado à minha casa, onde o
contemplei a dormir na sua caminha, ao lado de Carrie (a mãe). Distinguia-os
tão bem como com os olhos do corpo; em seguida te vi e a John (o marido).
Pensei em minha mãe e logo me achei ao seu lado. Vi-a acordada na cama e lhe
dirigi a palavra, porém ela nenhum sinal deu de me ter ouvido. Voltei então
para a França, para a trincheira.
Sabia-me morto...
E um caso estranho me acontecia: via passar diante de meus olhos todos os acontecimentos
da minha vida, nos quais me comportara
mal... Logo depois, divisei um Espírito que me vinha ao encontro... Era
meu pai; porém, não o reconheci. Entretanto, quando me chamou pelo meu nome:
“Will”, imediatamente o reconheci e me lancei a chorar nos seus braços.
Sentia-me extraordinariamente comovido e não sabia o que lhe dissesse. Nada
posso dizer com relação ao tempo que ali permanecemos. Lembro-me apenas de que,
durante esse tempo, deixei de ver os meus camaradas, de ouvir o ruído da
batalha. Via, no entanto, os pensamentos daqueles camaradas; verifiquei, assim,
que muito os havia impressionado a minha morte. Quando meu amigo Franck se
aproximou do meu cadáver, para se certificar de que eu estava realmente morto,
ainda uma vez o distingui como com os olhos do corpo. Meu pobre amigo desejava
estar em meu lugar e não ligava importância à vida, senão por amor de sua
Dora...
Não me seria
possível dizer se estive nalguma outra parte, durante a minha permanência
naquele lugar. Encontrava-me num estado de completa confusão de ideias; o que
me rodeava parecia ao mesmo tempo muito nítido e muito incerto. Meu pai se
conservava ao meu lado, a me animar e a me dizer que não tardaria a readquirir
equilíbrio mental. Conduziu-me depois á sua habitação, onde presentemente
vivemos juntos, aguardando que a mamãe venha para a nossa companhia...
Outro dia,
disse-me ele: “Queres ver tua avó?” - Eu ainda não a encontrara no mundo espiritual.
Ela se achava ao que parece, numa localidade muito afastada de nós. Papai
acrescentou: “Formula intensamente o desejo de estar com ela e o de que eu lá
esteja por minha vez.” Fizemo-lo simultaneamente e saltamos com a rapidez do
relâmpago, através do espaço. Em menos de um segundo estávamos ao lado de minha
avó. Ela vive com meu avô e com o meu tio Walter, a quem não conheci na Terra;
logo, porém percebi que o conhecia muito bem, porque, quando vivo, eu o via frequentemente
durante o sono; era meu pai quem me levava...”
O que se acaba de
ler é extraído da primeira mensagem do irmão morto de Mrs. Hope Hunter. Numa
segunda mensagem, acrescentou ele copiosos detalhes acerca do momento de sua
morte. Limitar-me-ei a transcrever esta passagem que completa a precedente:
“Muitos de meus
camaradas se acharam mortos sem o saberem e, como não logravam perceber certas
coisas, supunham que estavam a sonhar. Eu, ao contrário, me inteirei imediatamente
da minha morte, porém não conseguia compreender o fato de ser absolutamente o
mesmo que anteriormente. Antes de ir para a guerra, jamais cogitara das condições
prováveis da existência espiritual; durante a vida nas trincheiras, pensava
nisso algumas vezes, mas longe estava de imaginar a verdade. Como era natural,
tinha na cabeça os “coros celestes”, as “harpas angélicas”, de que falam as
Santas Escrituras. O que, sobretudo havia de mais incompreensível para mim era
me ver e sentir absolutamente o mesmo indivíduo de antes, quando, na realidade,
me achava transformado numa sombra. Em compensação, não podia igualmente
compreender uma outra circunstância, a de que, quando vinha ver a vocês, os via
como se todos fossem sombras, ao passo que eu não o era. Quando estive em casa,
mal acabara de morrer, vi a vocês como os via quando vivo; mas, depois, pouco a
pouco, todos se foram tornando cada vez mais evanescentes, até não passarem de
puras sombras. Em suma não posso distinguir, nos seres vivos, senão a parte
destinada a sobreviver ao corpo...
Bem calculadas as
coisas, muito de verdadeiro havia no que dizia o nosso pastor em seus
sermões... Há realmente uma vida eterna. É, pelo menos, o que todos cremos; enquanto
que aqueles que na Terra viveram honesta e virtuosamente vão para um lugar que
se pode comparar a um paraíso, aqueles cuja existência transcorreu depravada e
má vão acabar em outro lugar que se pode exatamente definir como um inferno...
Acho-me aqui
ativamente ocupado. O mesmo se dá com todos, mas suspendemos o trabalho quando
nos sentimos fatigados. Atende, entretanto, a que, quando falo de cansaço, não
me refiro ao que vós aí experimentais. É coisa muito diversa. Quando estamos
fatigados, pensamos em nos distrair, segundo os nossos pendores. Nenhum de vós
poderia imaginar em que consistem os nossos descansos... Se eu pudesse tornar a
viver (mas absolutamente não o desejo) e se soubesse o que sei agora, viveria
de maneira muito diferente. Doutra feita, falar-te-ei das minhas ocupações. Por
hoje, boa-noite!”
O Espírito-guia
do médium, a pedido deste, ponderou:
“Teu irmão, desde
que o feriram os estilhaços do obus, conheceu que lhe chegara a hora da morte.
O desconhecido que o esperava se lhe apresentou terrivelmente, nos espasmos da
agonia... Quando se comunicou mediunicamente, viveu esses terríveis momentos.
Daí os tremores convulsivos de tua mão e os arrancos do teu braço, que tanto te
impressionaram...
A crise da morte
é, fundamentalmente, a mesma para todos; contudo, no caso de um soldado que
morre de maneira quase fulminante, as coisas diferem um pouco, porém não muito.
Quando chegou o instante fatal, o “corpo etéreo”, que penetra o “corpo carnal”,
começa gradualmente a se libertar deste último, à medida que a vitalidade o vai
abandonando... Quem ainda não viu uma borboleta emergir da sua crisálida? Pois
bem! O processo é análogo... Desde que o “corpo etéreo” se haja libertado do
“corpo carnal”, outros Espíritos intervêm para auxiliar o recém-desencarnado.
Trata-se de um nascimento, em tudo análogo ao de uma criança no meio terrestre,
o que faz que o Espírito recém-nascido tenha necessidade de auxílio. Ele se
sente aturdido, desorientado, aterrado e não poderia ser de outro modo... Quase
sempre julga que está sonhando. Ora, o nosso primeiro trabalho consiste em
convencê-lo de que não está morto. É o de que geralmente se encarregam os
parentes do recém-chegado, o que as mais das vezes, não serve para confirmar,
no morto a ideia de que está sonhando...
Teu irmão diz que
se transportou imediatamente a Samerset; que falou com sua mãe; que viu o filho
e te viu com teu marido. Vou tentar explicar-te como isso ocorre. Logo após o
instante da morte, o Espírito ainda se acha impregnado de fluidos humanos. Pelo
que sei (e não é grande coisa) este fato significa que ele ainda está em
relação direta com o meio terrestre. Mas, ao mesmo tempo, está despojado do
corpo carnal e revestido unicamente do “corpo etéreo”. Basta, pois, que dirija
o pensamento a determinado lugar, para que seja instantaneamente
transferido aonde o leva o seu desejo. O primeiro pensamento de teu irmão foi
dirigido, com grande afeto, à sua mulher e seu filhinho; achou-se, portanto,
instantaneamente, com eles; estando ainda impregnado de fluidos humanos, pôde
vê-los como com os olhos do corpo...
Além disso,
refere teu irmão: “Vi passarem diante de meus olhos todos os acontecimentos da
minha vida, em os quais me comportara mal”. Trata-se de um fenômeno muito
notável da existência espiritual. Geralmente, isso preludia a sanção a que
todos nos temos que submeter, pelo que toca às nossas faltas. A visão se
desenrola diante de nós num rápido instante, mas nos oprime pelo seu volume e
nos abala e impressiona pela sua intensidade. Quase sempre, vemo-nos tais quais
fomos, do berço ao túmulo. Não me é possível dizer-te como isso se produz;
porém, a razão do fato reside numa circunstância natural da existência terrena,
durante a qual toda ação que executamos, todo pensamento que formulamos, quer
para o bem, quer para o mal, fica registrado indelevelmente no éter vitalizado
que nos impregna o organismo. Trata-se, em suma, de um processo fotográfico;
com isto imprimimos e fixamos vibrações no éter e este processo começa desde o
nosso nascimento...
Teu irmão
continua, referindo como encontrou o pai. Tudo isso se produziu num instante do
vosso tempo; mas, para ele, que calculava o tempo pela intensidade e pelo
concurso dos acontecimentos, os segundos pareceram horas. A princípio, não
reconheceu o pai, o que frequentemente acontece. Com efeito, os desencarnados
não esperam encontrar-se com seus parentes; ao demais, o aspecto destes tem
geralmente mudado. Entre nós, também existe um desenvolvimento do “corpo
etéreo”... Um bebê cresce até chegar à maturidade. Contrariamente, um velho
alcança a seu turno a idade viril, rejuvenescendo. Teu pai e dele morreu na plenitude
da idade adulta; apesar disso, o filho não o reconheceu, porque muitos anos
haviam passado e o pai atingira, no mundo espiritual, um estado de radiosa
beleza. Reconheceu-o, todavia, assim aquele lhe dirigiu a palavra. Ninguém pode
enganar-se no mundo espiritual.
Outra afirmativa
de teu irmão é de si mesma clara.
Observa ele: “Eu podia
ver o que pensavam os meus camaradas”. O fato se dá, porque, na vida
espiritual, a transmissão do pensamento é a forma normal de conversação entre
os Espíritos; depois, porque muitos pensamentos se exteriorizam da fronte
daquele que os formula, revestindo formas concretas, correspondentes à ideia
pensada, formas que todos os Espíritos percebem...
Informou-te,
afinal, de que vivia com o pai, na habitação deste último. É absolutamente
exato. Já noutra mensagem te expliquei que no mundo espiritual o pensamento e a
vontade são forças por meio das quais se pode criar o que se deseje...”
(Ernesto
Bozzano - Obra: A Crise da Morte).
Fonte: PAGINA
ESPÍRITA
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