terça-feira, 1 de outubro de 2013

PERTUBAÇÃO ESPIRITUAL


Na questão sobre a consciência que o espírito tem ao deixar o corpo (nº 163), lembro de um caso observado por André Luiz, quando ele estava em um cemitério, no capítulo 15, Aprendendo sempre:

Impressionado com os soluços que ouvia em sepulcro próximo, fui irresistivelmente levado a fazer uma observação direta. Sentada sobre a terra fofa, Infeliz mulher desencarnada, aparentando trinta e seis anos, aproximadamente, mergulhava a cabeça nas mãos, lastimando-­se em tom comovedor. Compadecido, toquei-­lhe a espádua e interroguei

— Que sente, minha irmã?
— Que sinto? — gritou ela, fixando em mim grandes olhos de louca — Não sabe? Oh! O senhor chama­-me irmã... Quem sabe me auxiliará para que minha consciência torne a si mesma? Se for possível, ajude-­me, por piedade! Não sei diferençar o real do ilusório... Conduziram-­me à casa de saúde e entrei neste pesadelo que o senhor está vendo. Tentava erguer­-se, debalde, e implorava, estendendo-­me as mãos: — Cavalheiro preciso regressar! Conduza-­me, por favor, à minha residência! Preciso retornar ao meu esposo e ao meu filhinho!... Se este pesadelo se prolongar, sou capaz de morrer!... Acorde-­me, acorde-­me!...

— Pobre criatura! — exclamei, distraído de toda a curiosidade, em face da compaixão que o triste quadro provocava — Ignora que seu corpo voltou ao leito de cinzas! Não poderá ser útil ao esposo e ao filhinho, em semelhantes condições de desespero.
Olhou-­me, angustiada, como a desfazer-­se em ataque de revolta inútil. Mas, antes que explodisse em rugidos de dor, acrescentei:
— Já orou minha amiga? Já se lembrou da Providência Divina?
— Quero um médico, depressa! Só ouço padres! — bradou irritadiça — Não posso morrer... Despertem-­me! Despertem-­me!...
— Jesus é nosso Médico Infalível — tornei — e indico-­lhe a oração como remédio providencial para que Ele a assista e cure. A infeliz, entretanto, parecia distanciada de qualquer noção de espiritualidade. Tentando agarrar-­me com as mãos cheias de manchas estranhas, embora não me alcançasse, gritou estentoricamente:

— Chamem meu marido! Não suporto mais! Estou apodrecendo!... Oh! Quem me despertará?
[...]

Fitei a infeliz e expus meu propósito de auxiliá-­la.
— É inútil — esclareceu o prestimoso guarda, equilibrado nos conhecimentos de justiça e seguro na prática, pelo convívio diário com a dor —, nossa desventurada irmã permanece sob alta desordem emocional. Completamente louca. Viveu trinta e poucos anos na carne, absolutamente distraída dos problemas espirituais que nos dizem respeito. Gozou, à saciedade, na taça da vida física. Após feliz casamento, realizado sem qualquer preparo de ordem moral, contraiu gravidez, situação esta que lhe mereceu menosprezo integral. Comparava o fenômeno orgânico em que se encontrava a ocorrências comuns, e, acentuando extravagâncias, por demonstrar falsa superioridade, precipitou-­se em condições fatais. 

Chamada ao testemunho edificante da abelha operosa, na colmeia do lar, preferiu a posição da borboleta volúvel, sequiosa de novidades efêmeras, O resultado foi funesto. Findo o parto difícil, sobrevieram infecções e febre maligna, aniquilando-­lhe o organismo. Soubemos que, nos últimos instantes, os vagidos do filhinho tenro despertaram-­lhe os instintos de mãe e a infortunada combateu ferozmente com a morte, mas foi tarde. Jungida aos despojos por conveniência dela própria, tem primado aqui pela inconformação. Vários amigos visitadores, em custosa tarefa de benefício aos recém­-desencarnados, têm vindo à necrópole, tentando libertá­-la. A pobrezinha, porém, após atravessar existências de sólido materialismo, não sabe assumir a menor atitude favorável ao estado receptivo do auxilio superior. Exige que o cadáver se reavive e supõe-­se em atroz pesadelo, quando nada mais faz senão agravar a desesperação.


Fonte: Estudando o 'Livro dos Espíritos'

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