Brasil!
Quando os povos cultos e poderosos exibem o
verbo da força pela boca dos canhões, revivendo milenários estigmas da
destruição e da morte, nós, os teus tutelados felizes, podemos exaltar-te o
heroísmo silencioso. Adotaste-me por filho afortunado, quando te bati à porta
acolhedora (*), fugindo ao céu borrascoso e sombrio do Velho Mundo. Deixava, no
fumo do pretérito, os impérios coroados de ouro, que alimentam a ignorância e a
miséria com o baraço e o cutelo dos carrascos da liberdade; a truculência erguida
em governo das nações, asfixiando o impulso generoso de comunidades
progressistas; a tirania convertida em legalidade nos tronos de rapina; a
mentira e a astúcia mascaradas de sacerdócio; a opressão inquisitorial dos
perseguidores da fé livre, buscando perpetuar o negrume da Idade Média; a
fábula impiedosa pretendendo orientar as letras sagradas, e, por fantasma
erradio, a revolta, dominando cérebros e corações, para, mais tarde, arremeter
de improviso aos gulosos comensais do poder.
Atravessei os pórticos do templo da
fraternidade, que o teu clima de paz me oferecia. Deslumbrado à luz de teu céu,
ajoelhei-me ante o Cruzeiro resplandecente que te inspira, recordando o Divino
Herói Crucificado. Aqui, o patíbulo não era o caminho dos sonhadores; o crime organizado
não era a curul administrativa; as trevas das consciências não eram a expressão
religiosa; o despotismo purpurado não era o refugio á intolerância; o cativeiro
das paixões inferiores não era a aristocracia da inteligência; o assassínio das
opiniões não era a gloria do feudalismo jactancioso; a violência não era
segurança; a carnificina não era brilho do mando; o sangue e o veneno, a
prepotência e a traição não eram a galeria brilhante da política do terror; a
fogueira não era a prêmio à investigação e à ciência; a condenação à morte não
era o salário dos mais dignos.
O perfume da terra misturava-se à claridade do
firmamento, e orei, agradecendo a Providencia Divina o acesso aos teus celeiros
de pão e de luz, de compreensão e de bondade. Em teus caminhos, rasgados pela
renúncia de apóstolos anônimos, estampavam-se os rastros de todos os corações
que se haviam fundido, no crisol do amor sublime, para os teus primeiros dias
de nacionalidade. Ouvi o cântico das três raças, que o trabalho, a simplicidade
e o sofrimento consagraram para sempre em teu nascedouro, e recebi a honra de
compartir o esforço de quantos te prelibaram a independência.
Por ti, em minha frágil estrutura de homem,
amarguei os tormentos do operário e as angústias do orientador. E, enquanto te
acompanhava os vagidos no berço da emancipação que conquistaste sem sangue, por
ti fui quinhoado com a graça do desfavor e do exílio, para voltar, depois, à
cabeceira do infante (referência a D. Pedro II), que te guiaria os destinos
durante meio século de probidade e sacrifício. Lidador novamente sentenciado ao
ostracismo aguardei a morte, com a serenidade do servo consciente, feliz pela
exação no cumprir seu dever e crente na tua destinação de Terra Prometida que o
Rei Entronizado na Cruz estremece e amanha. Sob a inspiração viva de
teus dilatados horizontes de luz, jamais me alapei nas dobras da pusilanimidade
quando se me exigisse valor, jamais urdi a ficção, refugindo à realidade;
jamais contubernei com a felonia contra a inocência. E ardendo no propósito de
servir-te, no resgate de minúscula parcela do meu débito imenso, entranhei-me
venturoso no labirinto da reencarnação, ideando contigo a pátria da renovação
humana. Reconstituído o tempo de carne, de cujo órgão se irradiaram as ondas do
pensamento, devotei-me de novo ao culto de teu progresso incessante. Eu, que
desfrutara o privilégio de sentar-me nas assembleias que te
planejavam o grito libertador, assomei à tribuna de quantos te defendiam os
ideais republicanos, filiando-te na legião dos povos cultos e determinadores.
Por ti, partilhei o governo, usei a autoridade,
preservei a ordem, louvei o patriotismo, encareci a democracia e confundi-me
com o povo, vivendo-lhe as expectativas e aspirações peculiares ao homem de
estado e ao filho honrado da plebe laboriosa, que eu fui, advoguei, em tua companhia,
a causa da liberdade, compreendendo o apostolado de amor universal com que
subiste à tona da civilização. Nunca me honrei com aplausos e louros, que os
não mereci, mas vigiei, quanto pude, na preparação de tua vitoria, exercendo o
ministério do direito a que te afeiçoaste, desde o sonho impreciso dos
missionários expatriados que te marcaram as primeiras linhas de evolução,
voltados para o esplendor da Igreja primitiva. Incorporando-te à essência de
meu sangue e de meu ideal, confiei-me – célula microscópica – à tua grandeza
imperecível e tomei assento nas lides da palavra e da pena, nos tribunais e nas
praças, nos jornais e nos comícios, quase sempre sozinho, na guerra sem quartel
daqueles que não conhecem o conselho dos generais, nem o apoio das baionetas.
Por ti, suportei orgulhoso, o peso de asfixiantes responsabilidades que me
feriram os ombros e me iluminaram o coração, na evidência e na obscuridade,
aprendendo e sofrendo contigo, na escola da igualdade, da tolerância e da
justiça.
E agora, que a ciência mortífera grava
transitória supremacia nos regimes, estimulando a política da força pelo
triunfo numérico; que a perversidade da inteligência lança o descrédito nos
fundamentos morais do mundo; que a crise de caráter emite vagas negras de
perturbação e desordem; que a toga desce da majestade dos seus princípios, para
dourar os instintos da barbárie nos tremendos conflitos internacionais que se
agigantam no século; que a moral religiosa concorre ao pleito de dominação
indébita, imergindo nas trevas da discórdia as consciências que lhe cabe
dirigir; que a doutrina do sílex substitui os tratados nas guerras sem declaração;
que os dogmas do todos os matizes se insinuam nas conquistas ideológicas da
Humanidade, preconizando a mordaça e o obscurantismo – agora ponho meus olhos
em teu vasto futuro...
Possa continuar ecoando em teus santuários e
parlamentos, cidades e vilarejos, vales e montanhas, florestas e caminhos, a
palavra imortal do Mestre da Galiléia! Conserva a tua vocação de fraternidade,
para que os mananciais de bênção divina jorrem luz e paz sobre a tua fronte
dignificada pelo esforço cristão na concórdia e na atividade fecunda. Guarda o
teu augusto patrimônio de liberdade a distancia de todos os gigantes do terror,
dos deuses da carniça e dos gênios da brutalidade, que tentam ressuscitar os
fósseis da tirania. Elege o trabalho por bússola do progresso e da ordem,
porque de tuas arcas dadivosas manará novo alimento para o mundo irredimido.
Templo de solidariedade humana, teu ministério de pacificação e redenção apenas
começa... Novo hino será desferido por tua voz no coro das nações. Nem Atenas
adornada de filósofos, nem Esparta pejada de guerreiros. Nem estátuas
impassíveis, nem espadas contundentes. Nem Roma, nem Cartago.
Nem senhores, nem escravos. Desdobrem-se, isto
sim, em teu solo amoroso os ramos viridentes da Árvore do Evangelho, a cuja
sombra inviolável se mitigue a sede multimilenar do homem fatigado e deprimido!
Desfralda o estrelado pavilhão que te assinala os destinos e não te quebrantes a
frente dos espetáculos cruentos, em que os povos desprevenidos da atualidade
erguem cenotáfios e ossuários à própria grandeza. Descerra
hospitaleiras portas aos ideais da bondade construtiva, do perdão edificante.
Do ilimitado bem, porque somos em ti a família venturosa do cristianismo
restaurado, e, por amor, se necessário, mil vezes nos confundiremos no pó
abençoado e anônimo dos teus caminhos floridos de esperança, empunhando o
código da justiça para o exercício varonil do direito, emergindo das sombras da
morte – celeiro sublime da vida renascente.
Grande Brasil! Berço de triunfos esplendidos,
aberto à glorificação do Cristo, seja Ele a tua inspiração redentora, o teu
apoio infalível, a trave-mestra de tua segurança; e, enaltecendo o messianismo
do teu povo fraterno, em cujo seio generoso se extinguem todos os ódios de raça
e se expungem todas as fronteiras do separatismo destruidor, que o Mestre
encontre no âmago de teu coração o sagrado poiso das Boas-Novas de Salvação,
descendo, enfim, da cruz de nossa impenitência multissecular para conviver com
a Humanidade terrestre, para sempre.
(*) Refere-se o mensageiro espiritual à
reencarnação anterior, dele mesmo, no Brasil
Ruy Barbosa/Chico Xavier
Livro: Falando à Terra
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