sexta-feira, 16 de maio de 2014

AS SENSAÇÕES DE UM MÉDICO RUSSO APÓS A MORTE



M. P..., de Moscou, era um médico tão eminente pelo saber como pelas qualidades morais. Quem o evocou apenas o conhecia por tradição, não havendo tido com ele relações sequer indiretas. A original comunicação foi dada em idioma russo.

Estais presente?

Sim. No dia da minha morte vos persegui com a minha presença, e resististes às tentativas que fiz para escreverdes. As palavras, que a meu respeito dissestes, deram ocasião a que vos reconhecesse, e daí o desejo de me entreter convosco para vosso benefício.

Bom como éreis, por que sofrestes tanto?

Porque ao Senhor aprouve fazer-me sentir duplamente por esse meio o preço da minha libertação, querendo ao mesmo tempo em que na Terra progredisse o mais possível.

A ideia da morte causou-vos terror?

Tinha bastante fé em Deus para que tal não sucedesse.

O desprendimento foi doloroso?

Não. Isso que denominais últimos momentos, nada é. Eu apenas senti um rápido abalo, para encontrar-me logo feliz, inteiramente desembaraçado da mísera carcaça.

E que sucedeu depois?

Tive o prazer de ver aproximarem-se inúmeros amigos, notadamente os que tive a satisfação de ajudar, dando-me todos as boas-vindas.

Que regiões habitais? Acaso algum planeta?

Tudo que não seja planeta constitui o que chamais Espaço e é neste que permaneço. O homem não pode, contudo, calcular, fazer uma ideia, sequer, do número de gradações desta imensidade. Que infinidade de escalas nesta escada de Jacob que vai da Terra ao Céu, isto é, do aviltamento da encarnação em mundo inferior, como esse, até à depuração completa da alma! Ao lugar em que ora me encontro não se chega senão depois de uma série enorme de provas, ou, por outra, de encarnações.

Logo, deveis ter tido multas existências?

Nem podia ser de outra maneira. Nada há excepcional na ordem imutável do Universo, estabelecida por Deus. A recompensa só pode vir depois da luta vencida: assim, se grande for aquela é que também esta o foi e necessariamente. Mas a vida humana é tão curta que a luta apenas se trava por intervalos, que são as diferentes e sucessivas encarnações. É fácil, pois, concluir que, estando eu num dos graus elevados, o atingi depois de uma série de combates, nos quais Deus me permitiu saísse vitorioso algumas vezes.

Em que consiste a vossa felicidade?

Isso é mais difícil de vos fazer compreender. Essa ventura que gozo é uma espécie de contentamento extremo de mim mesmo, não pelos meus merecimentos - o que seria orgulho - e este é predicado de Espíritos atrasados - mas contentamento como que saturado, imerso no amor de Deus, no reconhecimento da sua infinita bondade. Em suma, é a alegria que nos infunde o bem, podendo supor-se ter a seu arbítrio contribuído para o progresso de outros, que se elevaram até o Criador. Ficamos como que identificados com esse bem-estar, que é uma espécie de fusão do Espírito com a bondade divina. Temos o dom de ver os Espíritos mais adiantados, de compreender-lhes a missão, de saber que também nós a tanto chegaremos; no infinito incomensurável, entrevemos as regiões em que  rútilo esplende o fogo divino, a ponto de deslumbrar-nos, mesmo através do véu que as envolve. Mas, que digo? Compreendeis as minhas palavras? Acreditais ser esse fogo, a que me refiro, comparável ao Sol, por exemplo? Não, nunca. É uma coisa indizível ao homem, uma vez que as palavras só exprimem para ele coisas físicas ou metafísicas que conhece de memória ou intuitivamente. Desde que o homem não pode guardar na memória o que absolutamente desconhece como insinuar-se-lhe a percepção? Ficai, porém, ciente de que é já uma grande ventura o pensar na possibilidade de progredir infinitamente.


Allan Kardec. O céu e o inferno – segunda parte, capítulo 2.

Fonte: Correio Fraterno

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