“Uma mãe e suas três filhas, querendo estudar a Doutrina Espírita, não podiam ler duas páginas sem sentir um mal estar, de que não se davam contas. Um dia, encontrei-me em casa dessas senhoras com uma jovem médium, sonâmbula muito lúcida. Esta adormeceu espontaneamente e viu perto de si um Espírito que reconheceu como o abade L..., morto há dez anos”.
“P. – Sois vós, senhor cura que impedis esta família de ler?”.
“Resp. – Sim, sou eu. Velo incessantemente sobre o rebanho confiado aos meus cuidados. Há muito tempo que vos vejo querer instruir minhas penitentes em vossa triste doutrina. Quem vos deu o direito de ensinar? Fizestes estudos para isto?”.
“P. – Dizei-me, senhor abade, estais no céu?”
“Resp. -Não; não sou bastante puro para ver a Deus”.
“P. – Então estais nas chamas do purgatório?”.
“Resp. - Não, pois não sofro.
“P. – Vistes o inferno?”
“Resp. – Fazeis-me tremer! Vós me perturbais! Não posso vos responder, porque talvez me digais que devo estar numas destas três coisas. Tremo ao pensar no que dizeis e, contudo, sou atraído para vós pela lógica de vossos raciocínios. Voltarei e discutirei convosco.
“Com
efeito, ele voltou muitas vezes. Discutimos e ele compreendeu tão bem que o
entusiasmo o ganhou. Ultimamente exclamava: ‘Sim, agora sou espírita, dizei-o a
todos os que ensinam. Ah! Como gostaria que compreendessem Deus como este anjo
mo fez conhecer! ’ falava de Cárita, que tinha vindo a nós, e diante da qual
ele caiu de joelhos, dizendo que não era um Espírito, mas um anjo. Desde esse
momento ele tomou por missão instruir os que pretendem instruir outros.”
Nosso
correspondente acrescenta o seguinte fato:
“Entre
os espíritos que vêm ao nosso círculo, tivemos o doutor X..., que se apodera do
nosso médium, e que é como uma criança. É preciso dar-lhe explicações,
sobretudo; ele avança, compreende e está cheio de entusiasmo; vai junto dos
sábios que conheceu; quer explicar-lhe o que vê o que agora sabe, mas eles não
o compreendem; então se irrita e os trata de ignaros. Um dia, numa reunião de
dez pessoas, ele se apoderou da mocinha, como de hábito (a jovem médium, pela
qual fala e age); perguntou-me quem era eu e porque sabia tanto sem nada ter
aprendido; tomou-me a cabeça com as mãos e disse: ‘Eis a matéria; aí me
reconheço; mas como estou aqui, eu? Como posso fazer falar este organismo que,
entretanto, não é meu? Falai-me da alma; mas onde está a que habita este
corpo?”
“Depois
de lhe ter feito notar o laço fluídico que une o Espírito ao corpo durante a
vida, ele exclamou de repente, falando da jovem médium: ‘Conheço esta menina;
eu a vi em minha casa”; seu coração estava doente; como é que não está mais?
Dizei-me quem a curou. Fiz-lhe ver que se enganava e que jamais a tinha visto.
– Não, disse ele, não me engano, e a prova é que lhe piquei o braço e ela não
sentiu nenhuma dor.
“Quando
a jovem despertou, nós lhe perguntamos se havia conhecido o doutor e se tinha
ido consultá-lo”. ‘Não sei, respondeu ela, se foi ele; mas, estando em Paris,
levaram-me a um célebre médico, do qual não me lembro nem o nome, nem o endereço.
’
“Suas
ideias se modificam rapidamente; é agora um Espírito no delírio da felicidade
do que sabe; queria provar a todo mundo que o nosso ensino é incontestável. O
que, sobretudo o preocupa é a questão dos fluidos. ‘Eu quero, diz ele, curar
como o vosso amigo; não quero mais me servir de venenos; não os tomeis jamais. ’
Estuda hoje o homem, não mais no seu organismo, mas em sua alma; fez-nos dizer
como se operava a união da alma com o corpo na concepção, e pareceu muito feliz
com isto. O bom doutor Demeure veio em seguida e nos disse que não nos
admirássemos com as perguntas, por vezes pueris, que ele poderia fazer-nos; e
disse: Ele é como uma criança a quem se deve ensinar a ler no grande livro da
Natureza; mas como é ao mesmo tempo uma grande inteligência, instrui-se
rapidamente, e para isso nós concorremos do nosso lado.”
Esses
dois exemplos vêm confirmar estes três grandes princípios revelados pelo
Espiritismo, a saber:
1º
- Que a alma conserva no mundo dos Espíritos, por um tempo mais ou menos longo,
as ideias e os preconceitos que tinha durante a vida terrestre;
2º
- Que se modifica, progride e adquire novos conhecimentos no mundo dos
Espíritos;
3º
- Que os encarnados podem concorrer para o progresso dos Espíritos
desencarnados.
Estes
princípios, resultado de inumeráveis observações, têm uma importância capital,
porque derrubam todas as ideias implantadas pelas crenças religiosas sobre o
estado estacionário e definitivo dos Espíritos após a morte. Desde que é
demonstrado o progresso no estado espiritual, todas as crenças fundadas sobre a
perpetuidade de uma situação uniforme qualquer caem diante da autoridade dos
fatos. Também caem diante da razão filosófica, que diz que o progresso é uma
lei da Natureza, e que o estado estacionário dos Espíritos seria, ao mesmo
tempo, a negação dessa lei e da justiça de Deus.
Progredindo
o Espírito fora da encarnação, disso resulta esta outra consequência não menos
capital: que, voltando a Terra, traz a dupla conquista das existências
anteriores e da erraticidade. Assim se realiza o progresso das gerações.
É
incontestável que quando o médico e o padre, dos quais se falou acima,
renascerem, trarão ideias e opiniões completamente diversas das que tinham na
existência que acabam de deixar; um não será mais fanático, o outro não será
mais materialista, e ambos serão espíritas. O mesmo se pode dizer do doutor
Morel Lavallé, bispo de Barcelona e de tantos outros. Há, pois, utilidade para
o futuro da sociedade em se ocupar da educação dos Espíritos.
Revista Espírita. Federação Espírita Brasileira. Ano
XI - maio de 1868. – p. 204 -206
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