1
– Bem-aventurados os misericordiosos porque eles alcançarão misericórdia.
(Mateus, V: 7).
2
– Se perdoardes aos homens as ofensas que vos fazem, também vosso Pai
celestial vos perdoará os vossos pecados. Mas se não perdoardes aos homens,
tampouco vosso Pai vos perdoará os vossos pecados. (Mateus, VI: 14 e 15).
3
– Se vosso irmão pecar contra ti, vai, e corrige-o entre ti e ele somente;
se te ouvir, ganhado terás a teu irmão. Então, chegando-se Pedro a ele,
perguntou: Senhor, quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, para que eu
lhe perdoe? Será até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete
vezes, mas até setenta vezes sete vezes. (Mateus, XVIII: 15, 21e 22).
4
– A misericórdia é o complemento da mansuetude, pois os que não são
misericordiosos também não são mansos e pacíficos. Ela consiste no esquecimento
e no perdão das ofensas. O ódio e o rancor denotam uma alma sem elevação e sem
grandeza. O esquecimento das ofensas é próprio das almas elevadas, que pairam
acima do mal que lhes quiseram fazer. Uma está sempre inquieta, é de uma
sensibilidade sombria e amargurada. A outra é calma, cheia de mansuetude e
caridade.
Infeliz
daquele que diz: Eu jamais perdoarei! Porque, se não for condenado pelos
homens, o será certamente por Deus. Com que direito pedirá perdão de suas
próprias faltas, se ele mesmo não perdoa aos outros? Jesus nos ensina que a
misericórdia não deve ter limites, quando diz que se deve perdoar ao irmão, não
sete vezes, mas setenta vezes sete.
Mas
há duas maneiras bem diferentes de perdoar. Uma é grande nobre, verdadeiramente
generosa, sem segunda intenção, tratando com delicadeza o amor próprio e a
suscetibilidade do adversário, mesmo quando a culpa foi inteiramente dele. A
outra é quando o ofendido, ou aquele que assim se julga, impõe condições humilhantes
ao adversário, fazendo-o sentir o peso de um perdão que irrita, em vez de
acalmar. Se estender a mão, não é por benevolência, mas por ostentação, a fim
de poder dizer a todos: Vede quanto sou generoso!
Nessas
circunstâncias, é impossível que a reconciliação seja sincera, de uma e de
outra parte. Não, isso não é generosidade, mas apenas uma maneira de satisfazer
o orgulho. Em todas as contendas, aquele que se mostra mais conciliador, que
revela mais desinteresse próprio, mais caridade e verdadeira grandeza de alma,
conquistará sempre a simpatia das pessoas imparciais.
Reconciliar-se
com os Adversários
5
– Concerta-te sem demora com o teu adversário, enquanto estás a caminho
com ele, para que não suceda que ele te entregue ao juiz, e que o juiz te
entregue ao seu ministro, e sejas mandado para a cadeia. Em verdade te digo que
não sairás de lá, enquanto não pegares o último ceitil. (Mateus, V: 25e 26).
6
– Há na prática do perdão, e na prática do bem, em geral, além de um
efeito moral, um efeito também material. A morte, como se sabe, não nos livra
dos nossos inimigos. Os Espíritos vingativos perseguem sempre com o seu ódio,
além da sepultura, aqueles que ainda são objeto do seu rancor. Daí ser falso,
quando aplicado ao homem, o provérbio: “Morto o cão, acaba a raiva”. O Espírito
mau espera que aquele a quem queira mal esteja encerrado em seu corpo, e assim
menos livre, para mais facilmente o atormentar, atingindo-o nos seus interesses
ou nas suas mais caras afeições. É necessário ver nesse fato a causa da maioria
dos casos de obsessão, sobretudo daqueles que apresentam certa gravidade, como
a subjugação e a possessão. O obsedado e o possesso são, pois, quase sempre,
vítimas de uma vingança anterior, a que provavelmente deram motivo por sua
conduta. Deus permite a situação atual, para os punir do mal que fizeram, ou,
se não o fizeram, por haverem faltado com a indulgência e a caridade, deixando
de perdoar. Importa, pois, com vistas à tranquilidade futura, reparar o mais
cedo possível os males que se tenham praticado em relação ao próximo, e perdoar
aos inimigos, para assim se extinguirem, antes da morte, todos os motivos de
desavença, toda causa profunda de animosidade posterior. Dessa maneira se pode
fazer, de um inimigo encarnado neste mundo, um amigo no outro, ou pelo menos
ficar com a boa causa, e Deus não deixa ao sabor da vingança aquele que soube
perdoar. Quando Jesus recomenda que nos reconciliemos o mais cedo possível com
o nosso adversário, não quer apenas evitar as discórdias na vida presente, mas
também evitar que elas se perpetuem nas existências futuras. Não sairás de lá,
disse ele, enquanto não pagares o último ceitil, ou seja, até que a justiça
divina não esteja completamente satisfeita.
O
Sacrifício Mais Agradável A Deus
7
– Portanto, se estás fazendo a tua oferta diante do altar, e te lembrar aí
que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali a tua oferta diante do
altar, e vai te reconciliar primeiro com teu irmão, e depois virás fazer a tua
oferta. (Mateus, V: 23e 24)
8
– Quando Jesus disse: “Vai te reconciliar primeiro com teu irmão, e depois
virás fazer a tua oferta”, ensinou que o sacrifício mais agradável ao Senhor é
o dos próprios ressentimentos: que antes de pedir perdão ao Senhor, é preciso
que se perdoe aos outros, e que, se algum mal se tiver feito contra um irmão, é
necessário tê-lo reparado. Somente assim a oferenda será agradável, porque é
proveniente de um coração puro de qualquer mau pensamento. Ele materializa esse
preceito, porque os judeus ofereciam sacrifícios materiais e era necessário
conformar as suas palavras aos costumes do povo. O cristão não oferece prendas
materiais, pois que espiritualizou o sacrifício, mas o preceito não tem menos
força para ele. Oferecendo sua alma a Deus, deve apresentá-la purificada. Ao
entrar no templo do Senhor, deve deixar lá fora todo sentimento de ódio e de
animosidade, todo mau pensamento contra seu irmão. Só então sua prece será
levada pelos anjos aos pés do Eterno. Eis o que ensina Jesus por essas
palavras: “Deixai ali a tua oferta diante do altar, e vai te reconciliar
primeiro com teu irmão”, se queres ser agradável a Deus.
O
Argueiro e a Trave no Olho
9
– Por que vês tu, pois, o argueiro no olho do teu irmão, e não vês a trave
no teu olho? Ou como dizes a teu irmão: Deixa-me tirar-te do teu olho o
argueiro, quando tens no teu uma trave? Hipócrita, tira primeira a trave do teu
olho, e então verás como hás de tirar o argueiro do olho de teu irmão. (Mateus,
VII: 3-5).
10
– Um dos caprichos da humanidade é ver cada qual o mal alheio antes do
próprio. Para julgar-se a si mesmo, seria necessário poder mirar-se num
espelho, transportar-se de qualquer maneira fora de si mesmo, e considerar-se
como outra pessoa, perguntando: Que pensaria eu, se visse alguém fazendo o que
faço? É o orgulho, incontestavelmente, o que leva o homem a disfarçar os seus
próprios defeitos, tanto morais como físicos. Esse capricho é essencialmente
contrário à caridade, pois a verdadeira caridade é modesta, simples e
indulgente. A caridade orgulhosa é um contra senso, pois esses dois sentimentos
se neutralizam mutuamente. Como, de fato, um homem bastante fútil para crer na
importância de sua personalidade e na supremacia de suas qualidades, poderia
ter ao mesmo tempo, bastante abnegação para ressaltar nos outros o bem que
poderia eclipsá-lo, em lugar do mal que poderia pô-lo em destaque? Se o orgulho
é a fonte de muitos vícios, é também a negação de muitas virtudes.
Encontramo-lo no fundo e como móvel de quase todas as ações. Foi por isso que
Jesus se empenhou em combatê-lo, como o principal obstáculo ao progresso.
Não
Julgueis Para Não Serdes Julgados
NÃO
JULGUEIS PARA NÃO SERDES JULGADOS. AQUELE QUE ESTIVER SEM PECADO QUE ATIRE A
PRIMEIRA PEDRA
11
– Não julgueis, pois, para não serdes julgados; porque com o juízo que
julgardes os outros, sereis julgados; e com a medida com que medirdes, vos
medirão também a vós. (Mateus, VII: 1-2).
12
– Então lhe trouxeram os escribas e os fariseus uma mulher que fora
apanhada em adultério, e a puseram no meio, e lhe disseram: Mestre, esta mulher
foi agora mesmo apanhada em adultério; e Moisés, na Lei, mandou apedrejar a
estas tais. Qual é a vossa opinião sobre isto? Diziam pois os judeus,
tentando-o, para o poderem acusar. Jesus, porém, abaixando-se, pôs-se a
escrever com o dedo na terra. E como eles perseveraram em fazer-lhes perguntas,
ergueu-se Jesus e disse-lhes: Aquele dentre vós que estiver sem pecado
atire-lhe a primeira pedra. E tornando a abaixar-se, escrevia na terra. Mas
eles, ouvindo-o, foram saindo um a um, sendo os mais velhos os primeiros. E
ficou só Jesus com a mulher, que estava no meio, em pé. Então, erguendo-se,
Jesus lhe disse: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? Respondeu
ela: Ninguém, Senhor. Então Jesus lhe disse: Nem eu tampouco te condenarei;
vai, e não peques mais. (João, VIII: 3-11).
13
– “Aquele que estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra”, disse Jesus.
Esta máxima faz da indulgência um dever, pois não há quem dela não necessite
para si mesmo. Ensina que não devemos julgar os outros mais severamente do que
nos julgamos a nós mesmos, nem condenar nos outros os que nos desculpamos em
nós. Antes de reprovar uma falta de alguém, consideremos se a mesma reprovação
não nos pode ser aplicada.
A
censura de conduta alheia pode ter dois motivos: reprimir o mal, ou
desacreditar a pessoa cujos atos criticamos. Este último motivo jamais tem
escusa, pois decorre da maledicência e da maldade. O primeiro pode ser louvável,
e torna-se mesmo um dever em certos casos, pois dele pode resultar um bem, e
porque sem ele o mal jamais será reprimido na sociedade. Aliás, não deve o
homem ajudar o progresso dos seus semelhantes? Não se deve, pois, tomar no
sentido absoluto este princípio: “Não julgueis para não serdes julgados”,
porque a letra mata e o espírito vivifica.
Jesus
não podia proibir de se reprovar o mal, pois ele mesmo nos deu o exemplo disso,
e o fez em termos enérgicos. Mas quis dizer que autoridade da censura está na razão
da autoridade moral daquele que a pronuncia. Tornar-se culpável daquilo que se
condena nos outros é abdicar dessa autoridade, e mais ainda, arrogar-se
arbitrariamente o direito de repressão. A consciência íntima, de resto, recusa
qualquer respeito e toda submissão voluntária àquele que, investido de algum
poder, viola as leis e os princípios que está encarregado de aplicar. A única
autoridade legítima, aos olhos de Deus, é a que se apoia no bom exemplo. É o
que resulta evidentemente das palavras de Jesus.
I
– Perdão das Ofensas
SIMEÃO
Bordeaux,
1862
14
– Quantas vezes perdoarei ao meu irmão? Perdoá-lo-eis, não sete vezes, mas
setenta vezes sete. Eis um desses ensinos de Jesus que devem calar em vossa
inteligência e falar bem alto ao vosso coração. Comparai essas palavras
misericordiosas com a oração tão simples, tão resumida, e ao mesmo tempo tão
grande nas suas aspirações, que Jesus ensinou aos discípulos, e encontrareis
sempre o mesmo pensamento. Jesus, o justo por excelência, responde a Pedro:
Perdoarás, mas sem limites; perdoarás cada ofensa, tantas vezes quantas ela vos
for feita; ensinarás a teus irmãos esse esquecimento de si mesmo, que nos torna
invulneráveis às agressões, aos maus tratos e às injúrias, serás doce e humilde
de coração, não medindo jamais a mansuetude; e farás, enfim, para os outros, o
que desejas que o Pai celeste faça por ti. Não tem Ele de te perdoar sempre, e
acaso conta o número de vezes que o seu perdão vem apagar as tuas faltas?
Ouvi,
pois essa resposta de Jesus, e como Pedro, aplicai-a a vós mesmos. Perdoai,
usai a indulgência, sede caridosos, generosos, e até mesmo pródigos no vosso
amor. Daí, porque o Senhor vos dará; abaixai-vos, que o Senhor vos levantará;
humilhai-vos, que o Senhor vos fará sentar à sua direita.
Ide,
meus bem-amados, estudai e comentai essas palavras que vos dirijo, da parte
daquele que, do alto dos esplendores celestes, tem sempre os olhos voltados
para vós, e continua com amor a tarefa ingrata que começou há dezoito séculos.
Perdoai, pois, os vossos irmãos, como tendes necessidade de ser perdoados. Se
os seus atos vos prejudicaram pessoalmente, eis um motivo a mais para serdes
indulgentes, porque o mérito do perdão é proporcional à gravidade do mal, e não
haveria nenhum em passar por alto os erros de vossos irmãos, se estes apenas
vos incomodassem de leve.
Espíritas,
não vos olvideis de que, tanto em palavras como em atos, o perdão das injúrias
nunca deve reduzir-se a uma expressão vazia. Se vos dizeis espíritas, sede-o de
fato: esquecei o mal que vos tenham feito, e pensai apenas numa coisa: no bem
que possais fazer. Aquele que entrou nesse caminho não deve afastar-se dele,
nem mesmo em pensamento, pois sois responsáveis pelos vossos pensamentos, que
Deus conhece. Fazei, pois, que eles sejam desprovidos de qualquer sentimento de
rancor. Deus sabe o que existe no fundo do coração de cada um. Feliz aquele que
pode dizer cada noite, ao dormir: Nada tenho contra o meu próximo.
PAULO
Apóstolo,
Lyon, 1861
15
– Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si mesmo; perdoar aos amigos é
dar prova de amizade; perdoar as ofensas é mostrar que se melhora. Perdoai,
pois, meus amigos, para que Deus vos perdoe. Porque, se fordes duros,
exigentes, inflexíveis, se guardardes até mesmo uma ligeira ofensa, como
quereis que Deus esqueça que todos os dias tendes grande necessidade de
indulgência? Oh, infeliz daquele que diz: Eu jamais perdoarei, porque pronuncia
a sua própria condenação! Quem sabe se, mergulhando em vós mesmos, não
descobrireis que fostes o agressor? Quem sabe se, nessa luta que começa por um
simples aborrecimento e acaba pela desavença, não fostes vós a dar o primeiro
golpe? Se não vos escapou uma palavra ferina? Se usaste de toda a moderação
necessária? Sem dúvida o vosso adversário está errado ao se mostrar tão
suscetível, mas essa é ainda uma razão para serdes indulgentes, e para não merecer
ele a vossa reprovação. Admitamos que fosseis realmente o ofendido, em certa
circunstância. Quem sabe se não envenenastes o caso com represálias, fazendo
degenerar numa disputa grave aquilo que facilmente poderia cair no
esquecimento? Se dependeu de vós impedir as consequências, e não o fizestes,
sois realmente culpado. Admitamos ainda que nada tendes a reprovar na vossa
conduta, e, nesse caso, maior o vosso mérito, se vos mostrardes clemente.
Mas
há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e o perdão
do coração. Muitos dizem do adversário: “Eu o perdoo”, enquanto que,
interiormente, experimentam um secreto prazer pelo mal que lhe acontece,
dizendo-se a si mesmo que foi bem merecido. Quantos dizem: “Perdoo”, e
acrescentam: “mas jamais me reconciliarei; não quero vê-lo pelo resto da vida”!
É esse o perdão segundo o Evangelho? Não. O verdadeiro perdão, o perdão
cristão, é aquele que lança um véu sobre o passado. É o único que vos será
levado em conta, pois Deus não se contenta com as aparências: sonda o fundo dos
corações e os mais secretos pensamentos, e não se satisfaz com palavras e
simples fingimentos. O esquecimento completo e absoluto das ofensas é próprio
das grandes almas; o rancor é sempre um sinal de baixeza e de inferioridade.
Não esqueçais que o verdadeiro perdão se reconhece pelos atos, muito mais que
pelas palavras.
II –
A Indulgência
JOSÉ
Espírito
Protetor, Bordeaux, 1863
16
– Espíritas, queremos hoje vos falar da indulgência, esse sentimento tão
doce, tão fraternal, que todo homem deve ter para com os seus irmãos, mas que
tão poucos praticam. A indulgência não vê os defeitos alheios, e se os vê,
evita comentá-los e divulgá-los. Oculta-os, pelo contrário, evitando que se
propaguem, e se a malevolência os descobre, tem sempre uma desculpa à mão para
os disfarçar, mas uma desculpa plausível, séria, e não daquelas que, fingindo
atenuar a falta, a fazem ressaltar com pérfida astúcia.
A
indulgência jamais se preocupa com os maus atos alheios, a menos que seja para
prestar um serviço, mas ainda assim com o cuidado de os atenuar tanto quanto
possível. Não faz observações chocantes, nem traz censuras nos lábios, mas
apenas conselhos, quase sempre velados. Quando criticais, que dedução se deve
tirar das vossas palavras? A de que vós, que censurais, não praticastes o que
condenais, e valeis mais do que o culpado. Oh, homens! Quando passareis a
julgar os vossos próprios corações, os vossos próprios pensamentos e os vossos
próprios atos, sem vos ocupardes do que fazem os vossos irmãos? Quando fitareis
os vossos olhos severos somente sobre vós mesmos?
Sede,
pois, severos convosco e indulgentes para com os outros. Pensai naquele que
julga em última instância, que vê os secretos pensamentos de cada coração, e
que, em consequência, desculpa frequentemente as faltas que condenais, ou
condena as que desculpais, porque conhece o móvel de todas as ações. Pensai que
vós, que clamais tão alto: “anátema!” talvez tenhais cometido faltas mais
graves.
Sede
indulgentes meus amigos, porque a indulgência atrai, acalma, corrige, enquanto
o rigor desalenta, afasta e irrita.
JOÃO
Bispo
de Bordeaux, 1862
17
– Sede indulgentes para as faltas alheias, quaisquer que sejam; não
julgueis com severidade senão as vossas próprias ações e o Senhor usará de
indulgência para convosco, como usastes para com os outros.
Sustentai
os fortes: estimulai-os à perseverança; fortificai os fracos, mostrando-lhes a
bondade de Deus, que leva em conta o menor arrependimento; mostrai a todos o
anjo da contrição, estendendo suas brancas asas sobre as faltas humanas, e
assim ocultando-as aos olhos daqueles que não podem ver o que é impuro.
Compreendei toda a misericórdia infinita de vosso Pai, e nunca vos esqueçais de
lhe dizer em pensamento, mas sobretudo pelas vossas ações: “Perdoai as nossas
ofensas, como perdoamos aos nossos ofensores”. Compreendi bem o valor destas
sublimes palavras; pois não são admiráveis apenas pela letra, mas também pelo
espírito que elas encerram.
Que
solicitais ao Senhor quando lhe pedis perdão? Somente o esquecimento de vossas
faltas? Esquecimento de que nada vos deixas, pois se Deus se contentasse de
esquecer as vossas faltas, não vos puniria, mas também não vos recompensaria. A
recompensa não pode ser pelo bem que não fez, e menos ainda pelo mal que se
tenha feito, mesmo que esse mal fosse esquecido. Pedindo perdão para as vossas
transgressões, pedis o favor de sua graça, para não cairdes de novo, e a força
necessária para entrardes numa nova senda, numa senda de submissão e de amor,
na qual podereis juntar a reparação ao arrependimento.
Quando
perdoardes os vossos irmãos, não vos contenteis com estender o véu do esquecimento
sobre as suas faltas. Esse véu é quase sempre muito transparente aos vossos
olhos. Acrescentai o amor ao vosso perdão, fazendo por ele o que pedis a vosso
Pai Celeste que faça por vós. Substituí a cólera que mancha, pelo amor que
purifica. Pregai pelo exemplo essa caridade ativa, infatigável, que Jesus vos
ensinou. Pregai-a como ele mesmo o fez por todo o tempo em que viveu na Terra,
visível para os olhos do corpo, e como ainda prega, sem cessar, depois que se
fez visível apenas para os olhos do espírito. Segui esse divino modelo, marchai
sobre as suas pegadas: elas vos conduzirão ao refúgio onde encontrareis o
descanso após a luta. Como ele, tomai a vossa cruz e subi penosamente, mas
corajosamente, o vosso calvário: no seu cume está a glorificação.
DUFÉTRE
Bispo
de Nevers, Bordeaux
18
– Queridos amigos, sede severos para vós mesmos e indulgentes para as
fraquezas alheias. Essa é também uma forma de praticar a santa caridade, que
bem poucos observam. Todos vós tendes más tendências a vencer, defeitos a
corrigir, hábitos a modificar. Todos vós tendes um fardo mais ou menos pesado
que alijar, para subir ao cume da montanha do progresso. Por que, pois, ser tão
clarividentes quando se trata do próximo, e tão cegos quando se trata de vós
mesmos? Quando deixareis de notar, no olho de vosso irmão, um argueiro que o
fere, sem perceber a trave que vos cega e vos faz caminhar de queda em queda?
Crede nos Espíritos, vossos irmãos. Todo homem bastante orgulhoso para se
julgar superior, em virtudes e méritos, aos seus irmãos encarnados, é insensato
e culpado e Deus o castigará, no dia da sua justiça. O verdadeiro caráter da
caridade é a modéstia e a humildade, e consiste em não se verem
superficialmente os defeitos alheios, mas em se procurar destacar o que há de
bom e virtuoso no próximo. Porque, se o coração humano é um abismo de
corrupção, existem sempre, nos seus mais ocultos refolhos, os germes de alguns
bons sentimentos, centelhas ardentes da essência espiritual.
Espiritismo,
doutrina consoladora e bendita, felizes os que te conhecem e empregam proveitosamente
os salutares ensinos dos Espíritos do Senhor! Para esses, o ensino é claro, e
ao longo de todo o caminho eles podem ler estas palavras, que lhes indicam a
maneira de atingir o alvo: caridade prática, caridade para o próximo como para
si mesmo. Em uma palavra, caridade para com todos e amor de Deus sobre todas as
coisas, porque o amor de Deus resume todos os deveres, e porque é impossível
amar a Deus sem praticar a caridade, da qual Ele faz uma lei para todas as
criaturas.
III
– É Permitido Repreender Os Outros?
SÃO
LUIS
Paris,
1860
19
– Ninguém sendo perfeito, não se segue que ninguém tem o direito de repreender
o próximo?
Certamente
que não, pois cada um de vós deve trabalhar para o progresso de todos, e sobretudo
dos que estão sob a vossa tutela. Mas isso é também uma razão para o fazerdes
com moderação, com uma intenção útil, e não como geralmente se faz, pelo prazer
de denegrir. Neste último caso, a censura é uma maldade; no primeiro, é um
dever que a caridade manda cumprir com todas as cautelas possíveis; e ainda
assim, a censura que se faz a outro deve ser endereçada também a nós mesmos,
para vermos se não a merecemos.
SÃO
LUIS
Paris,
1860
20
– Será repreensível observar as imperfeições dos outros, quando disso não possa
resultar nenhum benefício para eles, e mesmo que não as divulguemos?
Tudo
depende da intenção. Certamente que não é proibido ver o mal, quando o mal
existe. Seria mesmo inconveniente ver-se por toda a parte somente o bem: essa
ilusão prejudicaria o progresso. O erro está em fazer essa observação em
prejuízo do próximo, desacreditando-o sem necessidade na opinião pública. Seria
ainda repreensível fazê-la com um sentimento de malevolência, e de satisfação
por encontrar os outros em falta. Mas dá-se inteiramente o contrário, quanto,
lançando um véu sobre o mal, para ocultá-lo do público, limitamo-nos a observá-lo
para proveito pessoal, ou seja, para estudá-lo e evitar aquilo que censuramos
nos outros. Essa observação, aliás, não é útil ao moralista? Como descreveria
ele as extravagâncias humanas, se não estudasse os seus exemplos?
SÃO
LUIS
Paris,
1860
21
– Há casos em que seja útil descobrir o mal alheio?
Esta
questão é muito delicada, e precisamos recorrer à caridade bem compreendida. Se
as imperfeições de uma pessoa só prejudicam a ela mesma, não há jamais
utilidade em divulgá-las. Mas se elas podem prejudicar a outros, é necessário
preferir o interesse do maior número ao de um só. Conforme as circunstâncias,
desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, pois é melhor que um
homem caia, do que muitos serem enganados e se tornarem suas vítimas. Em
semelhante caso, é necessário balancear as vantagens e os inconvenientes.
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