Ressurreição
e Reencarnação
1 –
E veio Jesus para os lados de Cesaréia de Felipe, e interrogou seus discípulos,
dizendo: Que dizem os homens que é o Filho do Homem? E eles responderam: Uns
dizem que é João Batista, mas outros que é Elias, e outros que Jeremias ou
algum dos Profetas. Disse-lhes Jesus: E vós, quem dizeis que sou eu?
Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, filho do Deus vivo. E
respondendo Jesus, lhe disse: Bem aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não
foi à carne e o sangue que te revelaram isso, mas sim meu Pai, que está nos
Céus”. (Mateus, XVI: 13-17)
2 –
E chegou a Herodes, o Tetrarca notícia de tudo o que Jesus obrava, e ficou como
suspenso, porque diziam uns: É João que ressurgiu dos mortos; e outros: É Elias
que apareceu; e outros: É um dos antigos profetas que ressuscitou. Então disse
Herodes: Eu mandei degolar a João; quem é, pois, este, de quem ouço semelhantes
coisas? E buscava ocasião de o ver. (Marcos, VI: 14-15; Lucas, IX: 7-9)
3 –
(Após a transfiguração). E os discípulos lhe perguntaram, dizendo: Pois por que
dizem os escribas que importa vir Elias primeiro? Mas ele, respondendo, lhes
disse: Elias certamente há de vir, e restabelecerá todas as coisas: digo-vos,
porém, que Elias já veio, e eles não o conheceram, antes fizeram dele quanto
quiseram. Assim também o Filho do Homem há de padecer às suas mãos. Então
compreenderam os discípulos que de João Batista é que ele lhes falara. (Mateus,
XVII: 10-13; Marcos, XVIII: 10-12)
RESSURREIÇÃO
E REENCARNAÇÃO
4 –
A reencarnação fazia parte dos dogmas judeus, sob o nome de ressurreição.
Somente os saduceus, que pensavam que tudo acabava com a morte, não acreditavam
nela. As ideias dos judeus sobre essa questão, como sobre muitas outras, não
estavam claramente definidas. Porque só tinham noções vagas e incompletas sobre
a alma e sua ligação com o corpo. Eles acreditavam que um homem podia reviver,
sem terem uma ideia precisa da maneira por que isso se daria, e designavam pela
palavra ressurreição o que o Espiritismo chama, mais justamente, de
reencarnação. Com efeito, a ressurreição supõe o retorno à vida do próprio
cadáver, o que a Ciência demonstra ser materialmente impossível, sobretudo
quando os elementos desse corpo já estão há muito dispersos e consumidos. A
reencarnação é à volta da alma ou Espírito à vida corpórea, mas num outro
corpo, novamente constituído, e que nada tem a ver com o antigo. A palavra
ressurreição podia, assim, aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos demais
profetas. Se, portanto, segundo sua crença, João Batista era Elias, o corpo de
João não podia ser o de Elias, pois que João tinha sido visto criança e seus
pais eram conhecidos. João podia ser, pois, Elias reencarnado, mas não
ressuscitado.
5 –
E havia um homem dentre os fariseus, por nome Nicodemos, senador dos judeus.
Este, uma noite, veio buscar a Jesus, e disse-lhe: Rabi, sabemos que és mestre,
vindo da parte de Deus, porque ninguém pode fazer estes milagres, que tu fazes,
se Deus não estiver com ele. Jesus respondeu e lhe disse: Na verdade, na
verdade te digo que não pode ver o Reino de Deus senão aquele que renascer de
novo. Nicodemos lhe disse: Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura
pode entrar no ventre de sua mãe e nascer outra vez? Respondeu-lhe Jesus: Em
verdade, em verdade te digo que quem não nascer da água e do Espírito, não pode
entrar no Reino de Deus, o que é nascido de carne é carne, e o que é nascido do
Espírito é Espírito. Não te maravilhes de eu te dizer que vos importa nascer de
novo. O Espírito sopra onde quer, e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde
ele vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do Espírito.
Perguntou Nicodemos: Como se pode fazer isto? Respondeu Jesus: Tu és mestre em
Israel, e não sabes estas coisas? Em verdade, em verdade te digo: que nós
dizemos o que sabemos, e damos testemunho do que vimos, e vós, com tudo isso,
não recebeis o nosso testemunho. Se quando eu vos tenho falado das coisas terrenas,
ainda assim me credes, como creríeis, se eu vos falasse das celestiais? (João,
III: 1-12)
6 –
A ideia de que João Batista era Elias, e de que os profetas podiam reviver na
Terra, encontra-se em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima
reproduzidas (nº 1 a 3). Se essa crença fosse um erro, Jesus não deixaria de
combatê-la, como fez com tantas outras. Longe disso, porém, ele a sancionou com
toda a sua autoridade, e a transformou num princípio, fazendo-a condição
necessária, quando disse: Ninguém pode ver o Reino dos Céus, se não nascer
de novo. E insistiu, acrescentando: Não te maravilhes de eu ter dito
que é necessário nascer de novo.
7 –
Estas palavras: “Se não renascer da água e do Espírito”, foram interpretadas no
sentido da regeneração pela água do batismo. Mas o texto primitivo diz
simplesmente: Não renascer da água e do Espírito, enquanto que, em algumas
traduções, a expressão do Espírito foi substituída por do
Espírito Santo, o que não corresponde ao mesmo pensamento. Esse ponto capital
ressalta dos primeiros comentários feitos sobre o Evangelho, assim como um dia
será constatado sem equívoco possível. (1)
8 –
Para compreender o verdadeiro sentido dessas palavras, é necessário reportar à
significação da palavra, que não foi empregada no seu sentido específico. Os
antigos tinham conhecimentos imperfeitos sobre as ciências físicas, e
acreditavam que a Terra havia saído das águas. Por isso, consideravam a água
como o elemento gerador absoluto. É assim que encontramos no Gênesis: “O
Espírito de Deus era levado sobre as águas”, “flutuava sobre as águas”, “que o
firmamento seja no meio das águas”, que as águas que estão sob o céu se reúnam
num só lugar, e que o elemento árido apareça”, “que as águas produzam animais
viventes, que nadem na água, e pássaros que voem sobre a terra e debaixo do
firmamento”.
Conforme
essa crença, a água se transformara no símbolo da natureza material, como o Espírito
o era da natureza inteligente. Estas palavras: “Se o homem renascer da água e
do Espírito”, ou “na água e no Espírito”, significam, pois: “Se o homem não
renascer com o corpo e a alma”. Neste sentido é que foram compreendidas no
princípio.
Esta
interpretação se justifica, aliás, por estas outras palavras: “O que é nascido
da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito”. Jesus faz aqui uma
distinção positiva entre o Espírito e o corpo. “O que é nascido da carne é
carne”, indica claramente que o corpo procede apenas do corpo, e que o Espírito
é independente dele.
9 –
“O Espírito sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem
para onde vai”, é uma passagem que se pode entender pelo Espírito de Deus que
dá a vida a quem quer, ou pela alma do homem. Nesta última acepção, a sequência:
“mas não sabes de onde vem nem para onde vai”, significa que não se sabe o que
foi nem o que será o Espírito. Se, pelo contrário, o Espírito, ou alma, fosse
criado com o corpo, saberíamos de onde ele vem, pois conheceríamos o seu
começo. Em todo caso, esta passagem é a consagração do principio da
preexistência da alma, e, por conseguinte da pluralidade das existências.
10
– Desde os tempos de João Batista até agora, o Reino dos Céus é tomado
pela força, e os que fazem violência são os que o arrebatam. Porque todos os
profetas e a lei, até João, profetizaram. E se vós o quereis bem compreender,
ele mesmo é o Elias que há de vir. O que tem ouvidos de ouvir, ouça”. (Mateus,
XI: 12-15)
11
– Se o princípio da reencarnação, expresso em São João, podia, a rigor,
ser interpretado num sentido puramente místico, já não aconteceria o mesmo
nesta passagem de São Mateus, onde não há equívoco possível: “Ele mesmo é o
Elias que há de vir”. Aqui não existe figura, em alegoria; trata-se de uma
afirmação positiva. “Desde o tempo de João Batista até agora, o Reino dos Céus
é tomado pela força”, que significam estas palavras, pois João ainda vivia no
momento em que foram ditas? Jesus as explica, ao dizer: “E se vós o quereis bem
compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir”. Ora, João tendo sido Elias,
Jesus alude ao tempo em que João vivia com o nome de Elias. “Até agora, o Reino
dos Céus é tomado pela força”, é outra alusão à violência da lei mosaica, que
ordenava o extermínio dos infiéis, para a conquista a Terra Prometida, Paraíso
dos hebreus que, segundo a nova lei, o céu é ganho pela caridade e pela
brandura. A seguir, acrescenta: “O que tem ouvidos de ouvir, ouça”. Essas
palavras, tão frequentemente repetidas por Jesus, exprimem claramente que nem
todos estavam em condições de compreender certas verdades.
12
– Os teus mortos viverão. Os meus, a quem tiraram a vida, ressuscitarão.
Despertai e cantai louvores, vós os que habitais no pó, porque o orvalho que
cai sobre vós é orvalho de luz, e arruinareis a terra e o reino dos gigantes”.
(Isaias, XXVI: 19)
13
– Esta passagem de Isaias é também bastante clara: “Os teus mortos
viverão”. Se o profeta tivesse querido falar da vida espiritual, se tivesse
querido dizer que os mortos não estavam mortos em Espírito, teria dito: “ainda
vivem”, e não: “viverão”. Do ponto de vista espiritual, essas palavras seriam
um contra senso, pois implicariam uma interrupção na vida da alma. No sentido
de regeneração moral, seriam as negações das penas eternas, pois estabelecem o
princípio de que todos os mortos reviverão.
14
– Quando o homem morre uma vez, e seu corpo, separado do espírito, é
consumido, em que se torna ele? Tendo o homem morrido uma vez, poderia ele
reviver de novo? Nesta guerra em que me encontro, todos os dias de minha vida,
estou esperando que chegue a minha mutação (Job, XIV: 10-14, segundo a tradução
de Sacy).
Quando
o homem morre, perde toda a sua força e expira depois, onde está ele? Se o
homem morre, tornará a viver? Esperarei todos os dias de meu combate, até que
chegue a minha transformação? (Id. Tradução protestante de Osterwald).
Quando
o homem está morto, vive sempre; findando-se os dias da minha existência
terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente. (Id. Versão da Igreja
Grega).
15
– O princípio da pluralidade das existências está claramente expresso
nessas três versões. Não se pode supor que Job quisesse falar da regeneração
pela água do batismo, que ele certamente não conhecia. “Tendo o homem morrido
uma vez, poderia ele reviver de novo?” A ideia de morrer uma vez e reviver
implicam a de morrer e reviver muitas vezes. A versão da Igreja Grega é ainda
mais explicita, se possível: “Findando-se os dias da minha existência terrestre,
esperarei, porque a ela voltarei novamente”. Quer dizer: eu voltarei à
existência terrena. Isto é tão claro como se alguém dissesse. “Saio de casa,
mas a ela voltarei.”
“Nesta
guerra em que me encontro, todos os dias de minha vida, estou esperando que
chegue a minha mutação”. Job quer falar, evidentemente, da luta que sustenta as
misérias da vida. Ele espera a sua mutação, ou seja, ele se resigna. Na versão
grega, a expressão “esperarei”, parece antes se aplicar à nova existência:
“Findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela
voltarei novamente”, Job parece colocar-se, após a morte, num intervalo que
separa uma existência de outra, e dizer que ali esperará o seu retorno.
16
– Não é, pois, duvidoso, que sob o nome de ressurreição, o princípio da
reencarnação fosse uma das crenças fundamentais dos judeus, e que ela foi
confirmada por Jesus e pelos profetas, de maneira formal. Donde se segue que
negar a reencarnação é renegar as palavras do Cristo. Suas palavras, um dia,
constituirão autoridade sobre este ponto, como sobre muitos outros, quando
forem meditadas sem partidarismo.
17
– A essa autoridade, de natureza religiosa, virá juntar-se no plano
filosófico, a das provas que resultam da observação dos fatos. Quando dos
efeitos se quer remontar às causas, a reencarnação aparece como uma necessidade
absoluta, uma condição inerente à humanidade, em uma palavra, como uma lei da
natureza. Ela se revela, pelos seus resultados, de maneira por assim dizer
material, como o motor oculto se revela pelo movimento que produz. Somente ela
pode dizer ao homem de onde ele vem, para onde vai, por que se encontra na
Terra, e justificar todas as anomalias e todas as injustiças aparentes da vida.
Sem
o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, a maior
parte das máximas do Evangelho são ininteligíveis, e por isso tem dado motivo a
interpretações tão contraditórias. Esse princípio é a chave que deve
restituir-lhes o verdadeiro sentido.
Os
Laços de Família são Fortalecidos pela Reencarnação e Rompidos pela Unicidade
da Existência
18
– Os laços de família não são destruídos pela reencarnação, como pensam certas
pessoas. Pelo contrário, são fortalecidos e reapertados. O princípio oposto é
que os destrói.
Os
Espíritos formam, no espaço, grupos ou famílias, unidos pela afeição, pela
simpatia e a semelhança de inclinações. Esses Espíritos, felizes de estarem
juntos, procuram-se. A encarnação só os separa momentaneamente, pois que, uma
vez retornando a erraticidade, eles se reencontram, como amigos na volta de uma
viagem. Muitas vezes eles seguem juntos na encarnação, reunindo-se numa mesma
família ou num mesmo círculo, e trabalham juntos para o seu progresso comum. Se
uns estão encarnados e outros não, continuarão unidos pelo pensamento. Os que
estão livres velam pelos que estão cativos, os mais adiantados procurando fazer
progredir os retardatários. Após cada existência terão dado mais um passo na
senda da perfeição.
Cada
vez menos apegados à matéria, seu afeto é mais vivo, por isso mesmo que mais
purificado, não perturbado pelo egoísmo nem obscurecido pelas paixões. Assim,
eles poderiam percorrer um número ilimitado de existências corporais, sem que
nenhum acidente perturbe sua afeição comum.
Estenda-se
bem que se trata aqui da verdadeira afeição espiritual, de alma para alma, a
única que sobrevive à destruição do corpo, pois os seres que se unem na Terra
apenas pelos sentidos, não têm nenhum motivo para se preocuparem no mundo dos
Espíritos. Só são duráveis as afeições espirituais. As afeições carnais
extinguem-se com a causa que as provocou; ora, essa causa deixa de existir no
mundo dos Espíritos, enquanto a alma sempre existe. Quanto às pessoas que se
unem somente por interesse, nada são realmente uma para outra: a morte as
separa na Terra e no Céu.
19
– A união e a afeição entre parentes indicam a simpatia anterior que as
aproximou. Por isso, diz-se de uma pessoa cujo caráter, cujos gostos e
inclinações nada têm de comum com os dos parentes, que ela não pertence à
família. Dizendo isso, enuncia-se uma verdade maior do que se pensa. Deus
permite essas encarnações de Espíritos antipáticos ou estranhos nas famílias,
com a dupla finalidade de servirem de provas para uns e de meio de progresso
para outros. Os maus se melhoram pouco a pouco, ao contato dos bons e pelas
atenções que deles recebem, seu caráter se abranda, seus costumes se depuram,
as antipatias desaparecem. É assim que se produz a fusão das diversas
categorias de Espíritos, como se faz na Terra entre as raças e os povos.
20
– O medo do aumento indefinido da parentela, em consequência da reencarnação, é
um medo egoísta, provando que não se possui uma capacidade de amor
suficientemente ampla, para abranger um grande número de pessoas. Um pai que
tem numerosos filhos, por acaso os amaria menos do que se tivesse apenas um?
Mas que os egoístas se tranquilizem, pois esse medo não tem fundamento. Do fato
de ter um homem dez encarnações, não se segue que tenha de encontrar no mundo
dos Espíritos dez mães, dez esposas e um número proporcional de filhos e de
novos parentes. Ele sempre encontrará os mesmos que foram objetos de sua afeição,
que lhe estiveram ligados na Terra por diversas maneiras, e talvez pelas mesmas
maneiras.
21
– Vejamos agora as consequências da doutrina anti-reencarnacionista. Essa
doutrina exclui necessariamente a preexistência da alma, e as almas sendo
criadas ao mesmo tempo em que os corpos, não existem entre elas nenhuma ligação
anterior. São, pois, completamente estranhas umas às outras. O pai é estranho
para o filho, e a união das famílias fica assim reduzida unicamente à filiação
corporal, sem nenhuma ligação espiritual. Não haverá, portanto nenhum motivo de
vanglória por se ter entre os antepassados algumas personagens ilustres. Com a
reencarnação, antepassados e descendentes podem ser conhecidos, ter vivido
juntos, podem se ter amado, e mais tarde se reunirem de novo para estreitar os
seus laços de simpatia.
22
– Isso no tocante ao passado. Quanto ao futuro, segundo os dogmas fundamentais
que decorrem do princípio anti-reencarnacionista, a sorte das almas está
irrevogavelmente fixada após uma única existência. Essa fixação definitiva da
sorte implica a negação de todo o progresso, pois se há algum progresso, não
pode haver fixação definitiva da sorte. Segundo tenham elas bem ou mal vivido,
vão imediatamente para a morada dos bem-aventurados ou para o inferno eterno.
Ficam assim imediatamente separadas para sempre, sem esperanças de jamais se
reunirem, de tal maneira que pais, mães e filhos, maridos e esposas, irmãos e
amigos, não têm nunca a certeza de se reverem: é a mais absoluta ruptura dos
laços de família.
Com
a reencarnação, e o progresso que lhe é consequente, todos os que se amam se
encontram na terra e no espaço, e juntos gravitam para Deus. Se há os que
fracassam no caminho, retardam o seu adiantamento e a sua felicidade. Mas nem
por isso as esperanças estão perdidas. Ajudados, encorajados e amparados pelos
que os amam, sairão um dia do atoleiro em que caíram. Com a reencarnação,
enfim, há perpétua solidariedade entre os encarnados e os desencarnados, do que
resulta o estreitamento dos laços de afeição.
23.
Em resumo, quatro alternativas se apresentam ao homem, para o seu futuro de
além-túmulo: 1º) o nada, segundo a doutrina materialista; 2º) a absorção no
todo universal, segundo a doutrina panteísta; 3º) a conservação da
individualidade, com fixação definitiva da sorte, segundo a doutrina da
Igreja; 4º) a conservação da individualidade, com o progresso infinito,
segundo a doutrina espírita. De acordo com as duas primeiras, os laços de
família são rompidos pela morte, e não há nenhuma esperança de se
reencontrarem; com a terceira, há possibilidade de se reverem, contanto que
esteja no mesmo meio, podendo esse meio ser o inferno ou o paraíso; com a
pluralidade das existências, que é inseparável do progresso gradual, existe a
certeza da continuidade das relações entre os que se amam, e é isso o que
constitui a verdadeira família.
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS
I
– Limites da Encarnação
24 – Quais
são os limites da encarnação?
A
encarnação não tem, propriamente falando, limites nitidamente traçados, se por
isto se entende o envoltório que constitui o corpo do Espírito, pois a
materialidade desse envoltório diminui à medida que o Espírito se purifica. Em
certos mundos, mais avançados que a Terra, ele já se apresenta menos compacto,
menos pesado e menos grosseiro, e consequentemente menos sujeito a
vicissitudes. Num grau mais elevado, desmaterializa-se e acaba por se confundir
com o perispírito. De acordo com o mundo a que o Espírito é chamado a viver,
ele se reveste do envoltório apropriado à natureza desse mundo.
O
perispírito mesmo sofre transformações sucessivas. Eteriza-se mais e mais, até
a purificação completa, que constitui a natureza dos Espíritos puros. Se mundos
especiais estão destinados, como estações, aos Espíritos mais avançados, estes
não ficam sujeitos a eles, como nos mundos inferiores: o estado de libertação
que já atingiram permite-lhes viajar para toda parte, onde quer que sejam
chamados pelas missões que lhes foram confiadas.
Se
considerarmos a encarnação do ponto de vista material, tal como a vemos na
Terra, podemos dizer que ela se limita aos mundos inferiores. Depende do
Espírito, portanto, libertar-se mais ou menos rapidamente da encarnação,
trabalhando pela sua purificação.
Temos
ainda a considerar que, no estado de erraticidade, ou seja, no intervalo das
existências corporais, a situação do Espírito está em relação com a natureza do
mundo a que o liga o seu grau de adiantamento. Assim, na erraticidade, ele é
mais ou menos feliz, livre e esclarecido, segundo for mais ou menos
desmaterializado.
II
– Necessidade da Encarnação
25 – A
encarnação é uma punição, e somente os Espíritos culpados é que lhe estão
sujeitos?
A
passagem dos Espíritos pela vida corpórea é necessária, para que eles possam
realizar, com a ajuda do elemento material, os propósitos cuja execução Deus
lhes confiou. É ainda necessária por eles mesmos, pois a atividade que então se
vêem obrigados a desempenhar ajuda-os a desenvolver a inteligência. Deus, sendo
soberanamente justo, deve aquinhoar equitativamente a todos os seus filhos. É
por isso que Ele concede a todos o mesmo ponto de partida, a mesma aptidão, as
mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de ação. Todo privilégio seria
uma preferência, e toda preferência uma injustiça. Mas a encarnação, para todos
os Espíritos, é apenas um estado transitório. É uma tarefa que Deus lhes impõe,
no princípio da existência, como primeira prova do uso que farão do seu livre
arbítrio. Os que executam essa tarefa com zelo, sobem rapidamente, e de maneira
menos penosa, os primeiros degraus da iniciação, e gozam mais cedo o resultado
do seu trabalho. Os que, ao contrário, fazem mau uso da liberdade que Deus lhes
concede, retardam o seu progresso. E é assim que por sua obstinação, podem
prolongar indefinidamente a necessidade de se reencarnarem. E é então que a
encarnação se torna um castigo.
26 –
Observação – Uma comparação vulgar nos fará melhor compreender esta diferença.
O estudante não atinge os graus superiores, sem ter percorrido a série de
classes que o levam até lá. Essas classes, por mais trabalho que exijam, são o
meio de atingir o fim, e não uma punição. O estudante laborioso abrevia a
caminhada, encontrando menos dificuldades. Acontece o contrário com aquele que
a negligência e a preguiça obrigam a repetir certas classes. Não é, porém, o
estudo que constitui uma punição, mas a obrigação de recomeçá-lo em cada classe.
É
o que se passa com o homem na Terra. Para o Espírito do selvagem, que está
quase no começo da vida espiritual, a encarnação é um meio de desenvolver a
inteligência. Mas, para o homem esclarecido, em que o senso moral está
largamente desenvolvido, e que se vê obrigado a repetir as etapas de uma vida
corporal cheia de angústias, enquanto já podia ter atingido o fim, é um
castigo, pela necessidade em que se acha de prolongar a sua permanência nos
mundos inferiores e infelizes. Aquele que, ao contrário, trabalha ativamente
para o seu progresso moral, pode não somente abreviar a duração de sua
encarnação material, mas franquear de uma vez os graus intermediários, que o
distanciam dos mundos superiores.
Os
Espíritos não poderiam encarnar-se uma só vez num mesmo globo, e passar suas
diferentes existências em diferentes esferas? Esta opinião seria admissível, se
todos os homens estivessem na Terra, exatamente no mesmo nível intelectual e
moral. As diferenças existentes entre eles, desde o selvagem até o homem
civilizado, revelam os graus que têm de percorrer. A encanação, aliás, deve ter
uma finalidade útil. Ora, qual seria a finalidade das encarnações efêmeras, das
crianças que morrem em tenra idade?
Teriam
sofrido sem qualquer proveito, nem para elas nem para os outros? Deus, cujas
leis são todas soberanamente sábias, nada faz de inútil. Pelas reencarnações no
mesmo globo, quis que os mesmos Espíritos se pusessem de novo em contato, tendo
assim ocasião de reparar as suas faltas recíprocas. E tendo e conta as suas
relações anteriores, quis, ainda, fundar uma base espiritual os laços de
família, apoiando numa lei natural os princípios de solidariedade, fraternidade
e igualdade.
CAP. IV DO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
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