Relembrando
Allan Kardec
31 de março de 1869
No
dia em que Allan Kardec desencarnava, constituindo este fato dolorosa surpresa
para todos os seus amigos e para os espíritas em geral, nesse mesmo dia o Sr.
E. Muller, grande amigo do Codificador e de sua digna esposa, mandou telegrama
aos espíritas lioneses: "Morreu o Sr. Allan Kardec, será enterrado
sexta-feira." E, no mesmo
dia, assim se expressa por carta ao Sr. Finet, de Lião:
“Paris, 31 de março de 1869”.
Amigo:
Agora, que já estou um pouco mais calmo, eu vos
escrevo . Enviando-vos meu aviso, como o fiz, talvez tenha agido um tanto
brutalmente, mas me parecia que devíeis receber a comunicação imediata desse
falecimento.
Eis alguns pormenores:
Ele morreu esta manhã, entre onze e doze horas,
subitamente, ao entregar um número da Revue a um caixeiro de livraria que
acabava de comprá-lo; ele se curvou sobre si mesmo, sem proferir uma única
palavra: estava morto.
Sozinho em sua casa (Rue de Sant'Ana), Kardec
punha em ordem seus livros e papéis para a mudança que se vinha processando e
que deveria terminar amanhã. Seu empregado, aos gritos da criada e do caixeiro,
acorreu ao local, ergueu-o ... nada, nada mais. Delanne ¹ acudiu com toda a
presteza, friccionou-o, mas em vão. Tudo estava acabado.
Venho de vê-lo. Penetrando a casa, com móveis e
utensílios diversos atravancando a entrada, pude ver, pela porta aberta da
grande sala de sessões, a desordem que acompanha os preparativos para uma
mudança de domicílio; introduzido numa pequena sala de visitas, que conheceis
bem, com seu tapete encarnado e seus móveis antigos, encontrei a Sra. Kardec
assentada no canapé, de face para a lareira; ao seu lado, o Sr. Delanne; diante
deles, sobre dois colchões colocados no chão, junto à porta da pequena sala de
jantar, jazia o corpo, restos inanimados daquele que todos amamos. Sua cabeça,
envolta em parte por um lenço branco atado sob o queixo, deixava ver toda a
face, que parecia repousar docemente e experimentar a suave e serena satisfação
do dever cumprido.
Nada de tétrico marcara a passagem de sua
morte; se não fosse a parada da respiração, dir-se-ia que ele estava dormindo.
Cobria-lhe o corpo uma coberta de lã branca,
que, junto aos ombros dele, deixava perceber a gola do robe de chambre, a roupa
que ele vestia quando fora fulminado; a seus pés, como que abandonadas, suas
chinelas e meias pareciam possuir ainda o calor do corpo dele.
Tudo isto era triste, e, entretanto, um sentimento de doce quietude penetrava-nos a alma; tudo na casa era desordem, caos, morte, mas tudo aí parecia calmo, risonho e doce, e, diante daqueles restos, forçosamente meditamos no futuro.
Tudo isto era triste, e, entretanto, um sentimento de doce quietude penetrava-nos a alma; tudo na casa era desordem, caos, morte, mas tudo aí parecia calmo, risonho e doce, e, diante daqueles restos, forçosamente meditamos no futuro.
Eu vos disse que na sexta-feira é que o
enterraríamos, mas ainda não sabemos a que horas; esta noite seu corpo está
sendo velado por Desliens ² e Tailleur; amanhã o será por Delanne e
Morin.
Procuram-se, entre os seus papéis, suas últimas vontades, se é que ele as escreveu; de qualquer forma, o enterro será puramente civil.
Procuram-se, entre os seus papéis, suas últimas vontades, se é que ele as escreveu; de qualquer forma, o enterro será puramente civil.
Escrever-vos-ei, dando-vos os pormenores da
cerimônia.
Amanhã, creio eu, cuidaremos em nomear uma
comissão de espíritas mais ligados à Causa, aqueles que melhor conhecem as
necessidades dela, a fim de aguardar e de saber o que se irá fazer.
De todo o coração, vosso amigo,
(a) MULLER. "
1. Alexandre Delanne, pai do engenheiro e
pesquisador espírita Gabriel Delanne
2. Armand Théodore Desliens, secretário-gerente da Revista Espírita
2. Armand Théodore Desliens, secretário-gerente da Revista Espírita
Os despojos do Codificador,
enterrados inicialmente no Cemitério de Montmartre (2.4.1869), foram
transferidos para o do Père-Lachaise em 31 de março de 1870.
Dólmen druídico de Allan Kardec
O projeto foi idealizado pelo escultor francês Charles-Romain Cappellaro
Dólmen druídico de Allan Kardec
O projeto foi idealizado pelo escultor francês Charles-Romain Cappellaro
LEITURAS RECOMENDADAS
AUDI, Edson. Vida e Obra de Allan Kardec. 1.ed. Niterói, RJ: Lachâtre, 1999
WANTUIL, Zêus e Thiesen, Francisco. Allan Kardec. Vol. III. 1.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1980. p.118 - 123.
REVISTA ESPÍRITA . São Paulo, SP: EDICEL. Maio de 1869. p.127 - 157
REFORMADOR . FEB, março de 1991. p. 70; março de 2001. p. 74 e 89
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