Felisberto
era encarregado do Departamento Doutrinário da Casa Espírita em que
frequentava. Assumiu esta tarefa pela indicação unânime de todos os demais
colegas, os quais o consideravam um exemplo de conhecimento da Doutrina. Sempre
que havia alguma dúvida nos estudos, Felisberto era solicitado. Quando o Centro
se preparava para algum seminário ou outro evento, era também Felisberto que
indicava os livros de referência.
Anos
se passaram, e o que era a satisfação e exemplo de trabalho foi
transformando-se aos poucos em um orgulho velado por parte de Felisberto. O que
antes era simplicidade passava a dar lugar a expressões imponentes, tais como:
-”… e você não sabe isso? Não leu ainda?”, franzindo o rosto de maneira amarga.
Entre
o vai-e-vem dos participantes dos grupos, novas pessoas foram chegando a Casa
Espírita, conhecendo Felisberto como sendo uma das “autoridades” do Centro. Os
mais novos nem se atreviam a se contrapor com questionamentos e perguntas, pois
sabiam que poderiam ser rechaçados diante dos demais irmãos se o distinto
coordenador estivesse por perto.
Sem
encontrar pessoas dedicadas como ele à leitura detalhada da Doutrina, passou a
assumir uma postura mais fechada. Quase não sorria mais. No seu entender,
aquele seu perfil exemplificava a seriedade com a qual os estudos deveriam ser
conduzidos.
Logo
sua postura contagiou alguns confrades que também passaram a adotar um posicionamento
mais sério. As reuniões da Diretoria, que antes eram realizadas em clima
fraterno e feliz, passaram a ser conduzidas com certo constrangimento dos
integrantes. Só havia espaço para a prece de abertura, as propostas de
Felisberto, a apresentação de detalhes administrativos por outros membros e o
encerramento com uma curta prece.
Anos
de pequenas mudanças, imperceptíveis pela maioria, passaram a influenciar a
psicosfera da Casa. O que antes representava acolhimento figurava-se agora como
constrangimento. Iniciativas dos mais novos trabalhadores costumavam ser
tolhidas, na justificativa de que eram necessários anos de estudo para estar à
frente de qualquer atividade. A Casa já não lotava suas fileiras como antes.
Felisberto
agora já exibia cabelos grisalhos e o rosto enrugado, quando uma mensagem fora
recebido em uma reunião mediúnica. O tema da comunicação era o afastamento das
pessoas do Centro. De acordo com o mentor espiritual da Casa, espíritos de
regiões entenebrecidas pelo ódio e pela inveja do bem há anos se incomodavam
com os resultados sublimes angariados pelos trabalhadores. Eles queriam impedir
a continuação daquelas atividades redentoras. Mas precisavam partir de algum
ponto.
Sem
adentrar em detalhes, a comunicação destacava que um dos antigos e influentes
trabalhadores do Centro fora escolhido para o início do ataque, em face de suas
imperfeições morais sedimentadas ainda no orgulho e na vaidade. Assim, uma
turba de espíritos passariam a obsidiá-lo com frequência até que houvesse a
possibilidade de obsidiar outros também.
A
mensagem se encerrava dizendo que ainda havia tempo para mudar todo aquele
cenário. Mas deveria haver o concurso de todos na autovigilância e na prece
contínua à luz dos ensinamentos do Evangelho.
Quando
terminou a reunião, alguns dos presentes criaram em suas telas mentais a imagem
de Felisberto. Mas poucos se mostraram inclinados a levar a mensagem para ele.
*
* *
Allan
Kardec detalha os processos obsessivos no Capítulo XXIII de O Livro dos
Médiuns. De acordo com a classificação proposta pelo codificador, os processos
podem ser de obsessão simples, fascinação e subjugação, aumentando a sua
gravidade, seguindo esta ordem [1].
O
primeiro caso é negado por muitos, mas pode ocorrer com vários de nossos irmãos
pelo natural intercâmbio existente entre o mundo corporal e o mundo espiritual.
Basta criarmos conexões deletérias, geradas por pensamentos de baixo teor
moral, tais como a inveja, a raiva, a ganância, o orgulho, etc. que estaremos
propensos a abrir as portas para os espíritos inferiores que desejam nos
dominar. Como efeitos, podemos perceber no obsidiado ideias fixas, desconfianças,
desentendimentos em excesso, enfermidades, dentre outros.
No
segundo caso, a fascinação, as consequências são mais graves. O obsidiado é
envolvido em uma falsa percepção dos fatos, sendo iludido pelo espírito
fascinador. Ele então passa a ter uma confiança cega naquilo que faz,
acreditando que não está sendo influenciado. A crítica o perturba. Irrita-se
com o próximo que se opõe a ele. Às vezes até crê que os demais em sua volta é
que estão envolvidos em processos obsessivos. Achando-se dono da verdade, o
obsidiado, muitas das vezes, sob a influência do espírito obsessor, procura
afastar as pessoas que potencialmente poderiam lhe “abrir os olhos”, a fim de
evitar a contradição e se manter na razão. Este processo geralmente é difícil
de ser tratado, pois o obsidiado nem sempre aceita que está nesta situação.
No
último caso, o obsidiado fica sob verdadeiro jugo, ou seja, sob domínio do
espírito obsessor. Nesta situação, a vítima pode tomar decisões absurdas e
comprometedoras; pode realizar atos motores involuntários e até perder a
lucidez.
O
pequeno conto apresentado, enriquecido com ingredientes potencialmente reais,
apresenta um caso onde a invigilância do trabalhador abre gradativamente as
portas para um processo obsessivo mais grave. Sem a observância da prece e da
sintonia com os bons espíritos protetores e amigos, o obsidiado permite, sem se
dar conta, de que suas imperfeições passam a criar conexões mentais com a
espiritualidade inferior, a qual se aproveita da oportunidade atingir os demais
trabalhadores da Casa.
De
acordo com Allan Kardec, os meios de se combater os processos obsessivos variam
de acordo com a situação estabelecida. Começar pela contínua vigilância e
prece, procurando se desvencilhar de nossas más tendências e inclinações, já
será um indicativo para o obsessor de que suas investidas são uma perda de
tempo. Sendo paciente e persistente neste processo de melhoramento das
condições morais fará o obsessor perceber de que não adianta dar continuidade
ao processo.
Dependendo
da insistência do obsessor, o processo ainda pode levar um tempo demasiado.
Assim, devemos também buscar o acolhimento de nossos Espíritos protetores e o
auxílio dos Espíritos simpáticos e amigos que nos assistem. Nunca estamos
sozinhos e em cada encarnação sempre temos uma falange que torce pelo nosso
êxito nesta vida. Juntemo-nos a eles.
Podemos,
ainda, também receber preces de outros que, com certeza, nos ajudarão enviando
mais amigos espirituais para nos apoiar. Mas nenhuma das preces será maior do
que aquela oriunda do fundo de nossa alma, buscando o melhoramento de nossos
atos e ações (não só físicos, como mentais), como também, em prol daqueles
irmãos infelizes que estão ali tentando nos incomodar. Rezemos por nós, mas
também rezemos pelos nossos obsessores. O desejo do bem a eles também os fará
perceber o quanto perdem tempo em nos tentar iludir.
Durante
o dia, busquemos manter a sintonia com pensamentos felizes, de amor, paz e
caridade pelo próximo, seja ele encarnado ou não. Busquemos também identificar
as nossas imperfeições, tentando mudá-las no momento em que elas ocorrerem, ou
até mesmo evitá-las. À hora de dormir, façamos uma reflexão sobre o que
poderíamos melhorar em nós mesmos. O que fizemos naquele dia que poderia ter
sido mais produtivo para nós e para quem nos cerca.
Os
nossos esforços no bem nos ajudarão a ascender nossas condições morais. Sob
condições morais mais elevadas não seremos alvo de espíritos inferiores.
Lembremo-nos de Jesus, nossa guia e modelo, cuja superioridade moral
inquestionável afastava quaisquer possibilidades de obsessão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário