Último livro da
Bíblia, o "Apocalipse" de João tem constituído, através dos séculos,
o grande campo de estudo para quantos se dedicam à interpretação dos textos de
sentido oculto. Não há parte alguma do Velho ou Novo Testamento que apresente
linguagem mais incompreensível; todavia, nenhum outro livro bíblico possui
tantas e tão variadas explicações.
*
Entre os judeus a
literatura apocalíptica vicejou de forma especial entre os anos 200 A.C. e 200
A.D. Diferenciava-se da literatura profética, porque tratava mais dos
acontecimentos futuros da Humanidade, através de uma linguagem simbólica de
grande obscuridade, do que da transmissão de uma mensagem, como era o caso do
profetismo, onde as imagens são, via de regra, simples e objetivas.
Há um pensamento
geral de que a literatura apocalíptica desenvolveu-se, em grande parte, como
consequência do desespero em face da situação humana.
Entre os muitos
escritos apocalípticos podem ser mencionados os "Oráculos Sibilinos",
a "Assunção de Moisés", o "Livro dos Jubileus", as
"Histórias de Adão e Eva", o "Apocalipse de Abraão", o
"Apocalipse de Sofonias" e a "Oração de José".
Nenhum deles,
contudo, conseguiu atrair para si tamanha atenção como o "Apocalipse"
escrito por João, livro que ainda constitui o grande desafio para os estudiosos
afeitos a semelhante literatura, em decorrência de seus textos de dificílima
interpretação.
O “APOCALIPSE”DE
JOÃO
Apocalipse (do
grego Apokalypsis) significa "revelação de coisas ocultas''. A temática
deste livro tem inspirado inúmeros ilustradores, citando-se, sobretudo, as miniaturas
de S. Severo e as gravuras em madeira de Dürer.
O livro foi escrito
pelo apóstolo João (evangelista) quando este se encontrava em Patmos, uma
pequena ilha rochosa do Mar Egeu. Não se pode, entretanto, determinar com
precisão se o seu desterro ocorreu no reinado de Domiciano ou de Nero. De
acordo com o Dr. Joseph Angus, em seu trabalho "História, Doutrina e
Interpretação da Bíblia", “a opinião geralmente aceita é que o autor da
obra teve aquela maravilhosa visão pelos fins do reinado de Domiciano”. Mas -
continua ele -, essa opinião citada por Eusébio e repetida em fins do terceiro
século por Vitorino, bispo de Pettau, que escreveu o mais antigo comentário que
existe sobre o "Apocalipse", não concorda com a tradição preservada
por Tertuliano (220 A.D.), por Jerônimo (378 A.D.) e outros escritores, e pela
qual se afirma que João foi desterrado para aquela ilha no “reinado de
Nero".
Emmanuel, na obra
"A Caminho da Luz", assim se pronuncia a respeito do "Apocalipse"
de João:
“Alguns anos antes de terminar o primeiro
século, após o advento da nova doutrina, já as forças espirituais operam uma
análise da situação amargurosa do mundo, em face do porvir”.
Sob a égide de
Jesus, estabelecem novas linhas de progresso para a civilização, assinalando os
traços iniciais dos países europeus dos tempos modernos. Roma já não
representa, então, para o plano invisível, senão um foco infeccioso que é preciso
neutralizar ou remover. Todas as dádivas do Alto haviam sido desprezadas pela
cidade imperial, transformada num Vesúvio de paixões e de esgotamentos. O Divino
Mestre chama aos Espaços o Espírito João, que ainda se encontrava preso nos
liames da Terra, e o Apóstolo, atônito e, aflito, lê a linguagem simbólica do
invisível.
Recomenda-lhe o
Senhor que entregue os seus conhecimentos ao planeta como advertência a todas
as nações e a todos os povos da Terra, e o velho Apóstolo de Patmos transmite
aos seus discípulos as advertências extraordinárias do Apocalipse. Todos os
fatos posteriores à existência de João estão ali previstos. É verdade que
frequentemente a descrição apostólica penetra o terreno mais obscuro; vê-se que
a sua expressão humana não pode copiar fielmente a expressão divina das suas
visões de palpitante interesse para a história da Humanidade. As guerras, as nações
futuras, os tormentos porvindouros, o comercialismo, as lutas ideológicas da
civilização ocidental, estão ali pormenorizadamente entrevistos. E a figura
mais dolorosa, ali relacionada, que ainda hoje se oferece à visão do mundo
moderno, é bem aquela da igreja transviada de Roma, simbolizada na besta
vestida de púrpura e embriagada com o sangue dos santos."
A leitura desta
página - tirada da obra lançada em 1939 pela Federação Espírita Brasileira nos
conduz ao seguinte posicionamento:
- A elaboração do
"Apocalipse" está circunscrita no século I da Era Cristã. Aliás, o
Dr. Joseph Angus levanta duas épocas prováveis: ou 68 a 70 A.D. ou 95 a 96 A.D.
- O fenômeno
mediúnico que possibilitou a elaboração do livro na ilha de Patmos teve a supervisão
do próprio Mestre.
- Foi João o
apóstolo que escreveu o último livro da Bíblia, apesar de algumas obras dizerem
que o escrito é tradicionalmente atribuído a João, o que, na verdade, levanta
certa dúvida no leitor. A "Grande Enciclopédia Delta Larousse" chega
a afirmar que muitos estudiosos modernos entendem que João, o autor do livro,
não era o mesmo que escrevera o Evangelho e as Cartas, ou seja, as três
Epístolas, incluídas no Novo Testamento.
Na época de
Eusébio, o historiador, responsável por várias obras, destacando-se
"Questões e Soluções Concernentes à Paixão e Ressurreição do
Salvador", acreditava-se ser o "Apocalipse" atribuído a um outro
João, contemporâneo do apóstolo, em Efeso. Mas os estudiosos do assunto
consideram esta hipótese como "insustentável". Como difícil de ser
aceita - alegam - é a teoria de Vischer, discípulo de Harnack, segundo a qual o
livro teve origem judaica, foi escrito em hebreu antes da destruição de
Jerusalém, sofrendo depois interpolações diversas de acordo com as ideias
cristãs e, muitas vezes, atendendo interesses particulares. (Grifo nosso.)
Mas, apesar do que
tem sido exposto, pode-se afirmar que foi mesmo João o apóstolo que escreveu o
último livro da Bíblia. Recorramos, agora, a um pequeno detalhe.
Em "Pão
Nosso", trabalho ditado por Emmanuel a Francisco Cândido Xavier, no capítulo
122, "Pecado e pecador", antes do comentário do autor espiritual,
deparamo-nos com este versículo:
“Amado, não sigas o mal, mas o bem. Quem faz o
bem, é de Deus; mas quem faz o mal, não tem visto a Deus."
E logo a seguir:
III João, 11, ou seja, Terceira Epístola de João, versículo 11. (Esta Epístola
só tem um capítulo.)
Na mensagem que
comenta o referido versículo, há esta frase de Emmanuel que é para nós uma
"chave": "O evangelista (João) apresenta conceito justo.".
Chega-se, pois, à
evidência de que o João que escreveu o "Apocalipse" foi o mesmo que
escreveu as Epístolas e um dos Evangelhos!
Como se não fosse
suficiente à palavra de Emmanuel, há características bem curiosas, as quais,
sendo comuns às obras citadas, deixam perceber a existência de um único autor.
Identifiquemos três apenas:
I - Concessão do
título "palavra de Deus" a Jesus ("Apocalipse", 19:13) - No
Evangelho de João, 1 :1, nas traduções em português, o termo usado é Verbo. Na
versão em Esperanto, vamos encontrar o termo vorto, o qual, consoante o
"Grande Dicionário Esperanto-Português", compilado pelo saudoso Prof.
Ismael Gomes Braga, tem o sentido geral de palavra; vocábulo. (Para o sentido
religioso a tradução será verbo. Já na Primeira Epístola de João, 1 :1, o termo
usado é mesmo palavra.
II - Concessão do
título "Cordeiro" a Jesus - Esta designação ocorre 26 vezes no
"Apocalipse"; no Evangelho escrito por João, aparece em 1:29 e 36.
III - O desusado
emprego, do termo sangues - Neste particular há uma interessante observação a
se fazer. O Dr. Joseph Angus esclarece que no original grego a palavra usada é
sangues (no plural), embora nas traduções feitas tenha-se tomado o termo
sangue, conforme se verifica em "Apocalipse", 18:24, e no
"Evangelho de João", 1:13.
Outros confrontos
poderiam ser feitos. Por exemplo, com os termos vencer, verdadeiro, testemunho,
a frase e os que o transpassaram, etc. Para os que desejarem colher maiores detalhes,
duas obras são aconselhadas: a "Introduction to the New Testament",
vol. II, do Dr. S. Davidson e a "Introduction and Exposition of the Gospel
of St. John", do Dr. H. R. Reynolds, no "Pulpit Commentary''
CONTEÚDO DO LIVRO
ENIGMA
Milton, o sempre lembrado
autor de "O Paraíso Perdido",- o descreve como "imagem majestosa
de uma alta e imponente tragédia, encerrando e misturando as suas solenes cenas
e atos, com o sétuplo coro de aleluias e sinfonias de harpa".
Emmanuel, na
apreciação que faz sobre a obra afirma que "o Apocalipse de João tem
singular importância para os destinos da Humanidade terrestre".
De uma forma muito
genérica o livro pode ser dividido em duas partes. A primeira - capítulos
1 a 3 - refere-se
às coisas que são. A segunda - capítulos 4 a 22 - compreende as coisas que hão
de acontecer.
Se se quiser
estabelecer uma divisão mais minuciosa, pode-se dizer que a matéria está encerrada
em sete partes:
1ª) as sete
epístolas às sete igrejas;
2ª) os sete selos;
3ª) as sete
trombetas ressonantes;
4ª) as sete figuras
místicas: a mulher vestida de sol; o dragão vermelho; o filho da mulher; a
primeira besta que saiu do mar; a segunda besta que se levantou da terra; o
Cordeiro no monte de Sião e o semelhante ao Filho do Homem sobre a nuvem;
5') o derramamento
das sete taças;
6ª) a aniquilação
dos inimigos da igreja;
7ª) as glórias da
Cidade Santa, a Nova Jerusalém.
Trata-se, conforme
se pode observar pela leitura do livro, de uma série de visões, traduzidas por
meio de imagens simbólicas e uma linguagem figurada.
A VARIEDADE DAS
INTERPRETAÇÕES
No passado, os que
estudavam o "Apocalipse" agrupavam-se em torno de um dos seguintes
Sistemas:
Praeterista -
Admitia que grande parte das revelações contidas no "Apocalipse" já
tinham acontecido. Eram partidários desta opinião Grocio, Hammond, Stuart, Hug,
S. Davidson, Farrar, Wetstein, Eichhorn, De Wette, Ewald, Herder, Bleek e F. D.
Maurice.
Histórico -
Considerava as revelações como um delineamento dos grandes acontecimentos da
História da Terra, desde os tempos apostólicos até o fim do mundo. Destacam-se
neste sistema as figuras de Vitringa, Elliott e Bengel.
Futurista -
Sustentava que os fatos previstos - em grande parte ou mesmo na sua totalidade
- estão reservados para os últimos dias da Humanidade. Tinha a aquiescência de
Maitland, Burg, W. Kelly e outros.
Espiritual ou
Ideal- Considerava o livro uma descrição pitoresca do desenvolvimento dos grandiosos
princípios que sempre se apresentam em constante conflito, embora sob várias
formas e ecléticos no seu caráter. Adotavam este ponto de vista o Bispo Boyd
Carpenter, o Prof. Milligan e o Arcediago Lee.
Hoje em dia, não é
fácil enumerar todas as interpretações existentes em torno dos textos do
"Apocalipse".
Elas divergem sensivelmente, consoante este ou aquele autor. A esse respeito o
Dr. Joseph Angus é muito claro:
"Na verdade,
se um intérprete (Elliott) vê no sexto selo uma referência a Constantino, outro
(Faber) diz que se trata de uma alusão à primeira Revolução Francesa; e, se
Bengel vê na estrela que cai do céu um anjo bom, Elliott crê ser ela uma figura
de Maomé. Os gafanhotos com o poder dos escorpiões, e que haviam de produzir
grande calamidade por cinco meses, significam para Mede cento e cinquenta anos
de domínio dos sarracenos, mas para Vitringa significam os godos e para
Scherzer, os jesuítas."
O caso da besta
apocalíptica, uma das figuras bem discutidas do livro de João, tem as mais variadas
interpretações. Para os adeptos do Sistema Praeterista, o número simbólico 666
corresponderia ao valor numérico das letras hebraicas nas palavras Neron Cesar.
O Arcediago Lee no seu livro "Speaker's Commentary" acreditava que a
besta apocalíptica seria realmente um infiel que haveria de dominar toda a extensão
do velho império romano. Já Cairbar Schutel em um trabalho publicado em 1918
("Interpretação Sintética do Apocalipse") e Emmanuel em "A
Caminho da Luz" (1939) transferem o símbolo do livro-enigma à figura
central e dominante da Igreja Romana.
DIFICULDADES NA
TRANSMISSÃO DA MENSAGEM EM PATMOS
Reportando-nos
ainda à página de Emmanuel em "A Caminho da Luz", observa-se que o querido
autor espiritual não deixa de assinalar a dificuldade ocorrida com o sensitivo
naquela ilha do Mar Egeu. Ele esclarece:
"É verdade que
frequentemente a descrição apostólica penetra o terreno mais obscuro; vê-se que
a sua expressão humana não pôde copiar fielmente a expressão divina das suas
visões de palpitante interesse para a história da Humanidade."
Mas, por outro
lado, poder-se-ia indagar: estariam os homens aptos a receber do apóstolo João
a palavra divina em toda sua clareza? Que consequências adviriam de um relato
inteiramente despido de alegorias?
Chega-se, portanto,
à conclusão de que tudo tem a sua devida época.
"A verdade é
filha do tempo" - afirmou Gellio, escritor e gramático latino.
Porque são
realmente características em todo o livro de João as instruções divinas e
porque todas as suas partes têm um contínuo sabor de "enigmático", o
"Apocalipse" continuará a ser a grande motivação deste final de
século, quando inúmeras transformações estão preconizadas, tanto pelos
estudiosos encarnados, quanto pelos arautos do Além.
No
"Gênesis", primeiro livro da "Bíblia", observa-se a
descrição do "paraíso perdido" e o afastamento do homem da
"presença de Deus"; no "Apocalipse", nota-se mais do que a
conquista do "paraíso": alcança-se, novamente, a comunhão com o Pai,
que, de acordo com a revelação divina, jamais terá fim.
E o livro de
Malaquias, último Iivro do Velho Testamento, termina suas advertências com uma
frase expressiva:
- "E
converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais; para
que eu não venha e fira a terra com maldição."
Já as últimas
palavras do "Apocalipse" são de cariciosa bênção: "-A graça de
Nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós."
Palavras que, no
fecho deste trabalho, as tomamos para nós.
Kleber Halfeld
Reformador (FEB)
Janeiro 198