Segunda-feira,
24 de outubro de 2016.
“Quando
eu morrer, acho que minha mãe vai ficar com saudade. Mas eu não tenho medo de
morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!”
Como
médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional,
posso afirmar que cresci e modifiquei-me com os dramas vivenciados pelos meus
pacientes. Não conhecemos nossa verdadeira dimensão até que, pegos pela
adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais além.
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco,
onde dei meus primeiros passos como profissional… Comecei a frequentar a
enfermaria infantil e apaixonei-me pela oncopediatria.
Vivenciei os dramas dos meus pacientes, crianças vítimas
inocentes do câncer. Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me
acovardar ao ver o sofrimento das crianças.
Até o dia em que um anjo passou por mim! Meu anjo veio na
forma de uma criança já com 11 anos, calejada por dois longos anos de
tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos
pelos programas químicos e radioterapias. Mas nunca vi o pequeno anjo
fraquejar. Vi-a chorar muitas vezes; também vi medo em seus olhinhos; porém,
isso é humano!
Um dia, cheguei ao hospital cedinho e encontrei meu anjo
sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. A resposta que recebi, ainda hoje, não
consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
— Tio, disse-me ela — às vezes minha mãe sai do quarto para
chorar escondido nos corredores… Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com
muita saudade. Mas, eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta
vida!
Indaguei: — E o que morte representa para você, minha
querida?
– Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir
na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos em nossa própria cama, não é?
(Lembrei das minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, com elas, eu
procedia exatamente assim.) É isso mesmo.
– Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar
na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei “entupigaitado”, não sabia o que dizer. Chocado com a
maturidade com que o sofrimento acelerou, a visão e a espiritualidade daquela
criança.
– E minha mãe vai ficar com saudades – emendou ela.
Emocionado, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei:
– E o que saudade significa para você, minha querida?
– Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um a dar uma
definição melhor, mais direta e simples para a palavra saudade: é o amor que
fica!
Meu anjinho já se foi, há longos anos. Mas, deixou-me uma grande
lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso
com meus doentes, a repensar meus valores. Quando a noite chega, se o céu está
limpo e vejo uma estrela, chamo pelo “meu anjo”, que brilha e resplandece no
céu.
Imagino ser ela uma fulgurante estrela em sua nova e eterna
casa.
Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que
me ensinaste, pela ajuda que me deste. Que bom que existe saudade! O amor que
ficou é eterno.
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