
Quando olhamos para o mundo à nossa volta, parece-nos que se multiplicam as
catástrofes, os desastres, os cataclismos. Em um momento como este, em que
todas as atenções estão voltadas para o acidente com o Airbus da TAM, que vinha
de Porto Alegre-RS (voo JJ 3054) e se chocou contra o prédio da própria empresa
aérea, em frente ao aeroporto, quando tentava aterrissar, provocando a morte de
mais de 160 pessoas, entre passageiros, tripulantes e funcionários da companhia
aérea que trabalhavam no prédio atingido, a atenção fica mais desperta, e os
questionamentos são vários, e envolvem até a Justiça (ou para alguns, a
injustiça) Divina.
O Espiritismo, enquanto doutrina libertadora, progressista e evolutiva, e por
isso mesmo considerada consoladora, objetiva auxiliar-nos a entender o porquê
dos acontecimentos de nosso dia-a-dia, inclusive dos mais trágicos. Assim, via
entendimento da Lei Natural e da Justiça Divina, obtêm-se a consequente
aplicação desses princípios no cotidiano, favorecendo sua vivência, promovendo
a coerência entre o crer e o agir.
Frente a situações como essa vivenciada no dia 17 de julho de 2007, alguns
questionamentos são usuais, como, por exemplo: Por que acontece esse tipo de
coisas? Qual a finalidade desses acidentes que causam a morte conjunta de
várias pessoas? Como a Justiça Divina pode ser percebida nessas situações? Por
que algumas pessoas escapam?
Naturalmente, as respostas exigem reflexão aprofundada com base em princípios
fundamentais do Espiritismo, como a multiplicidade das encarnações e a
anterioridade do Espírito. Esses pontos somam-se ao fato de que nós, enquanto
Espíritos em processo evolutivo, temos um passado de descumprimento da lei
divina que precisa ter seu rumo corrigido não apenas para equacionar nossos
problemas de consciência, mas também para nos harmonizar com nossos
semelhantes, afetados pelas nossas ações de desvirtuamento da Lei.
Ao entendermos o que a Doutrina Espírita tem a dizer sobre o assunto, começamos
a perceber a profundidade da reflexão que deve ser adotada por cada um de nós
em nosso dia-a-dia e o papel a ser assumido de observadores da Sociedade, em
substituição à postura usual de críticos e questionadores.
Começamos, assim, a conhecer o caminho para aplicação dinâmica e prática em
nosso dia-a-dia da Doutrina que abraçamos, pela análise do mundo e sua
transformação, percebendo a profundidade de conceitos como fatalidade, resgate
coletivo, regeneração do planeta, além de favorecer o entendimento de
ensinamentos de Jesus relacionados àquilo que alguns chamam de sinais dos
tempos.
Fatalidade como causa?
Fatalidade, destino, azar são palavras sempre lembradas em situações como essa.
Mas que conceitos estão por trás dessas palavras? Em “O Livro dos Espíritos”,
as questões de 851 a 867 tratam de fatalidade, e, entre outras informações,
destaca-se o fato de que “a fatalidade só existe no tocante à escolha feita
pelo Espírito, ao se encarnar, de sofrer esta ou aquela prova; ao escolhê-la
ele traça para si mesmo uma espécie de destino, que é a própria consequência da
posição em que se encontra” (LE 851).
Mais à frente (LE 853), está dito que “fatal, no verdadeiro sentido da palavra,
só o instante da morte. Chegado esse momento, de uma forma ou de outra, a ele
não podeis furtar-vos”. A questão seguinte (LE 853a) melhor explica esse ponto,
frisando que quando é chegado o momento de retorno para o Plano Espiritual,
nada “te livrará” e frequentemente o Espírito também sabe o gênero de morte por
que partirás daqui, “pois isso lhe foi revelado quando fez a escolha desta ou
daquela existência”. Não esquecer, jamais, que “somente os acontecimentos
importantes e capazes de influir na tua evolução moral são previstos por Deus,
porque são úteis à tua purificação e à tua instrução” (LE 859a).
Como vemos, a fatalidade só existe como algo temporário frente à nossa condição
de imortais com a finalidade de realinhamento de rumo. No entanto, essa
situação não é engessada. Graças à Lei de Ação e Reação e ao Livre-Arbítrio, o
homem pode evitar acontecimentos que deveriam realizar-se, como também permitir
outros que não estavam previstos (LE 860).
Fatalidade, destino, azar são palavras que não combinam com a Doutrina
Espírita, da mesma forma que a sorte daqueles que escapam desse tipo de
situação – e em acidentes como esse do dia 17 de julho de 2007, sempre há os
relatos daqueles que desejavam pegar o avião e não conseguiram; daqueles que
estavam à porta do prédio atingido pela aeronave e não sofreram nada além do
susto; e tantos outros.
Então, para a Doutrina Espírita, como se explicam casos como esse? A resposta
está no resgate coletivo, conceito que envolve a correção de rumo de um grupo
de Espíritos que em alguma outra encarnação cometeu atos semelhantes – e muitas
vezes em conjunto – de descumprimento da lei divina e que, portanto, para
individualmente terem a consciência tranquilizada, precisam sanar o débito.
Toda a problemática, nesse caso, está no trabalho dos mentores na reunião desses
Espíritos de modo a que juntos possam se reajustar frente à Lei Divina.
Impulsionar o progresso: a meta
O resgate de nossas ações contrárias à Lei Divina, ao Bem e ao Amor pode
ocorrer de várias formas, inclusive coletivamente. O objetivo, segundo LE 737,
é “fazê-lo avançar mais depressa” e as calamidades “são frequentemente
necessárias para fazerem com que as coisas cheguem mais prontamente a uma ordem
melhor, realizando-se em alguns anos o que necessitaria de muitos séculos”.
Além disso (LE 740), “são provas que proporcionam ao homem a ocasião de
exercitar a inteligência, de mostrar sua paciência e sua resignação ante a
vontade de Deus, ao mesmo tempo em que lhe permitem desenvolver os sentimentos
de abnegação, de desinteresse próprio e de amor ao próximo”.
E assim, entendemos o sentimento de solidariedade que essas calamidades
despertam, auxiliando todos a desenvolver o amor. O importante para os mais
diretamente envolvidos, para que tenham o progresso devido, como está dito em
“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo 14, item 9, é “não falir pela
murmuração”, pois “as grandes provas são quase sempre um indício de um fim de
sofrimento e de aperfeiçoamento do Espírito, desde que sejam aceitas por amor a
Deus”.
Nesta frase selecionada no ESE está uma informação de cabal importância:
indício de aperfeiçoamento do espírito. E qual seria o objetivo prático de tudo
isso e como esses fatos atuam em nosso progresso, com que finalidade?
A resposta está na Lei do Progresso, que determina ao homem o progresso
incessante, sem retrocesso, no campo intelectual e moral; cada um há seu tempo,
seguindo seu ritmo próprio, sendo que “se um povo não avança bastante rápido,
Deus lhe provoca, de tempo em tempos, um abalo físico ou moral que o
transforma” (LE 783).
Como vemos, o progresso se faz, sempre, e quando estamos atravancando-o, Deus,
em sua infinita bondade e justiça, lança mão de instrumentos que nos
impulsionem à frente. O objetivo é nos levar a cumprir a escala evolutiva,
saindo de nossa condição de Espíritos imperfeitos moralmente para a de
espíritos regenerados, até atingirmos a condição de Espíritos puros.
Essa transposição de imperfeito moralmente para regenerado marca a atual fase
de transição que vivenciamos plena de flagelos destruidores, de calamidades, de
acidentes com grande número de mortos.
Nos evangelhos segundo Mateus, Marcos e João, há várias referências aos sinais
precursores de uma transformação no estado moral do Planeta, caracterizada pelo
anúncio de calamidades diversas que atingirão a humanidade e dizimarão grande
número de pessoas, para que, na sequência, ocorra o reinado do bem, sejam
instituídas a paz e a fraternidade universal, confirmando a predição de que
após os dias de aflição virão os dias de alegria.
O que é anunciado nessas passagens evangélicas não é o fim do mundo de forma
absoluta e real, mas o fim deste mundo que conhecemos, em que o mal
aparentemente se sobrepõem ao bem, e, como afirma Allan Kardec em “A Gênese”,
capítulo 17, item 58, “o fim do velho mundo, do mundo governado pela
incredulidade, pela cupidez e por todas as más paixões a que o Cristo alude”.
Para que esse novo mundo se instale (GE capítulo 18), é fundamental que a
população seja preparada para habitá-lo. Para tanto, teremos, todos nós, de
equacionar alguns problemas de nosso passado, construindo nosso progresso
moral. Não há transformação sem crise, e catástrofes e cataclismos são crises
que agitam a humanidade, despertando-a para a solidariedade, a fraternidade, o
bem.
Temos, então, de ver a humanidade como “um ser coletivo no qual se operam as
mesmas revoluções morais que em cada ser individual” (GE, capítulo 18 item 12).
Nesse contexto, a fraternidade será a pedra angular da nova ordem social, com o
progresso moral, secundado pelo progresso da inteligência assegurando a
felicidade dos homens sobre a Terra.
Para que possamos habitar esse novo mundo, não temos de nos renovar
integralmente. Segundo Kardec (GE capítulo 18 item 33), “basta uma modificação
nas disposições morais”, e, para isso, temos de equacionar débitos do passado e
nos conscientizarmos de nossa condição de espíritos imortais perfectíveis, em
fase de desenvolvimento de nossas potencialidades.
Como forma de acelerar esse processo de modificação da disposição moral, a
presente fase é marcada pela multiplicidade das causas de destruição, até como
forma de estimular em nós o desenvolvimento de nossas potencialidades no bem,
pois “o mal de hoje há de ser o bem de amanhã. Somente a educação do Espírito
poderá libertá-lo do mal, dando-lhe condições de alçar os mais altos voos no
plano infinito da vida. O importante em tudo isso é mantermos a serenidade,
olharmos para frente, divisarmos o futuro, pois “a marcha do Espírito é sempre
crescente e ascendente. É preciso descobrir quanto bem se é capaz de fazer agora
para que o próprio crescimento não se detenha” (Portásio).
Em todo ser humano, como ressalta o Espírito Clelie Duplantier, em “Obras
Póstumas”, “há três caracteres: o do indivíduo ou do ente em si mesmo, o do
membro da família e o do cidadão. Sob cada uma dessas três fases, pode ele ser
criminoso ou virtuoso; isto é, pode ser virtuoso como pai de família e
criminoso como cidadão, e vice-versa”.
Além disso, pode-se admitir como regra geral que todos os que se ligam numa
existência por empenhos comuns, já viveram juntos, trabalhando para o mesmo fim
e se encontrarão no futuro, até expiarem o passado ou cumprirem a missão que
aceitaram.
O papel de cada um
Essas calamidades – se olharmos para elas sob o ponto de vista espiritual,
fundamentando nossa reflexão nos princípios da Doutrina Espírita – têm,
portanto, objetivos saneadores que, conforme Joanna de Ângelis removem as
pesadas cargas psíquicas existentes na atmosfera e significam a realização da
justiça integral, pois a Justiça Divina, para nosso reequilíbrio, recorre a
métodos purificadores e liberativos, de que não nos podemos furtar.
Assim, tocados pelas dores gerais, ajudemo-nos e oremos, formando a corrente da
fraternidade e estaremos construindo a coletividade harmônica, sempre lembrando
a advertência de Hammed: “a função da dor é ampliar horizontes para realmente
vislumbrarmos os concretos caminhos amorosos do equilíbrio. Como o golpe ao
objeto pode ser modificado, repensa e muda também tuas ações, diminuindo
intensidades e frequências e recriando novos roteiros em sua existência”. Desse
modo, estaremos utilizando nossos problemas como ferramenta evolutiva, não nos
perdendo em murmurações, mas utilizando nosso livre-arbítrio como patrimônio.
O progresso de todos os seres da criação é o objetivo de tudo que acontece.
Tenhamos a consciência desperta e procuremos entender o mundo à nossa volta,
cientes de que a solidariedade é o verdadeiro laço social, não só para o
presente, mas, como está em “Obras Póstumas”, “estende-se ao passado e ao
futuro, pois que os mesmos indivíduos se encontram e se encontrarão para juntos
seguirem as vias do progresso, prestando mútuo concurso. Eis o que faz
compreender o Espiritismo pela equitativa lei da reencarnação e da continuidade
das relações entre os mesmos seres”.
E mais: Graças ao Espiritismo, compreende-se hoje a justiça das provações desde
que as consideremos uma amortização de débitos do passado. As faltas coletivas
devem ser expiadas coletivamente pelos que juntos as praticaram, e os mentores
estão sempre trabalhando, ajudando a todos nós, reunindo-nos em grupos de forma
a favorecer a correção de rumo, amparando-nos e nos fortalecendo para darmos
conta daquilo a que nos propomos, além de nos equilibrarem para podermos
auxiliar o outro com nossos pensamentos positivos, nossos melhores sentimentos
e vibrações.
Fonte: blog do celeiro