terça-feira, 27 de outubro de 2015

O corpo e o espírito



– Então, Chico, como vai?
– O corpo vai mal. O espírito está ótimo.
Essa resposta do grande médium àqueles que o cumprimentavam e desejavam saber de sua saúde, precária nos últimos tempos, resume toda uma grandiosa filosofia de vida.
O corpo é apenas a máquina que usamos no trânsito pela carne. Diga-se de passagem, maravilhosa, perfeita em suas finalidades. Jamais os cientistas deixarão de encantar-se com esse incrível veículo de peças vivas, que nos faculta uma bolsa de estudos na escola da reencarnação.
Viajantes da eternidade em trânsito pela Terra, em princípio usamos a máquina física como quem desfruta de um automóvel de quilometragem zero. A plenitude física ajuda-nos a enfrentar os desafios da jornada – escola, profissão, casamento, família, subsistência…
O problema está no uso indevido, nos arrastamentos, nas viciações, comprometendo a relação corpo/espírito. O comportamento de muitos, nessa fase, sugere inversão do breve diálogo com Chico Xavier, que abre estas considerações:
– Então, como vai?
– O corpo vai bem. O espírito está mal.
É lamentável. As pessoas perdem tempo, deixam de observar seus deveres, comprometem-se em desvios por correr demais nos arrastamentos da inconsequência.
Inexoravelmente, à medida que avança a quilometragem, desgasta-se o carro. É inevitável, dentro da programação biológica da raça humana, que se estende dos oitenta aos cem anos.
O depauperamento físico nos últimos tempos ajuda-nos a reduzir a velocidade, a conter o envolvimento com o imediatismo terrestre, preparando-nos para enfrentar o trânsito da morte.
No início ou no fim, imperioso sejamos sempre os condutores, sem excessos no princípio, nem desalento no fim.
O carro suporta por algum tempo os maus tratos, mas, se não tomarmos cuidado, enfrentaremos uma relação penosa conjugando corpo/espírito.
– O corpo vai mal. O espírito também.
Se formos motoristas cuidadosos, se não cometermos excessos, haveremos de manter o controle sobre o carro, ainda que desgastado pelo uso. Conservaremos o bom ânimo e a alegria, mesmo quando estejamos avançando com dificuldade nos últimos quilômetros da jornada.
Para tanto, basta sustentar, acima de tudo, o empenho de aprender, combater mazelas, participar das lides da caridade, ajudar o próximo, cumprir nossos deveres, valorizar de forma consciente e esclarecida as oportunidades de edificação.
Nem arrastamento no início, nem desolação no fim. Sempre bem o Espírito imortal. Bem no início, quando o corpo tem plenitude de vitalidade. Bem no fim, quando a máquina começa a ratear, anunciando que seu tempo útil está no fim.
Então poderemos repetir com Chico Xavier:
– O corpo vai mal. O espírito está ótimo!
Passo de Luz
Nas tribulações ou discórdias, recordemos a necessidade de certo donativo: o primeiro passo para o reajuste da harmonia e da segurança.
Isso significa para nós um tanto mais de amor, mesmo quando nos cerque a incompreensão.
Por vezes, o lar em tumulto reclama a tranquilidade, ante a discórdia entre pessoas queridas.
Em outras circunstâncias, são companheiros respeitáveis em conflito uns com os outros.
Em algumas situações, é o estopim curto da agressividade exagerada nesse ou naquele amigo, favorecendo a explosão de violência.
Noutros lances, é o tormento de algum coração nobre ferido, porque ainda tisnado pelo orgulho.
Recordemos a misericórdia que todos recebemos de Deus, a cada trecho da vida.
Aparece a aflição? – Mais compreensão.
Ocorrem prejuízos? – Trabalhemos com vigor.
Em todas as situações, nas quais o mal entreteça desequilíbrio, tenhamos a coragem do primeiro passo, em que a serenidade e o amor, a humildade e a paciência nos garantam de novo a harmonia do Bem.

Médium: Francisco Cândido Xavier
Espírito: Emmanuel
Livro: Coragem

CONHEÇO-TE


Conheço teu medo, a tua felicidade e os teus sonhos.
Conheço tua estrada e sei exatamente o teu destino.
Conheço-te por dentro...
E sem que tu tenhas que me pedir, eu entendo o que tu queres.
Conheço o teu sorriso, e sei tudo que está dentro do teu coração.
Conheço e te reconheço em qualquer lugar...
Sei do teu amor, da tua saudade, dos sonhos que movimentam a tua vida e da esperança que te faz lutar.
Amo-te pelo que tu és, e para mim, és um ser valioso.
Amo-te, mesmo quando perdes a confiança em Mim.
Amo-te, mesmo sem saberes...
Acompanho-te desde sempre!
Estou ao teu lado mesmo quando pensas que Te abandonei...
Vibro em cada minuto da tua felicidade.
Choro com cada lágrima tua.
Sofro com toda a tua dor, e Te estendo as mãos a todo momento, embora muitas vezes teimes em não Me pedires ajuda, mesmo assim, continuo a te proteger...
Conheço-te e sei que és muito especial, como é especial cada filho Meu, mas cada um com as suas diferenças, ainda assim o meu Amor é incondicional, e ele é o maior Amor do mundo
Conheço-te, porque eu te criei...
" Aquietai-vos, e sabei que Eu sou Deus."


Vilma Galvão

Síndrome de Down


Segundo a doutrina espírita, reencarnar com a Síndrome de Down é uma oportunidade abençoada de evolução, inclusive para os pais que assumem esta sublime missão.
O nascimento de um bebê, sem dúvida, é um momento mágico dentro de uma família. É a manifestação da essência divina através de uma nova vida de corpo frágil e pequenino que necessita de cuidados especiais para poder crescer e se desenvolver. Mas quando essa gravidez foge dos padrões planejados e os pais recebem o diagnóstico da chegada de um filho portador da Síndrome de Down, assim como qualquer outro tipo de deficiência, surge uma sensação de medo e angústia em lidar com a situação inesperada.
Mesmo diante do turbilhão de dificuldades, um novo caminho pode ser trilhado quando se descobre que, apesar das limitações e de necessidades especiais, existe um potencial a ser desenvolvido e que deve ser estimulado por meio de uma educação que permita o aprendizado, além do amor, que é fator fundamental no desenvolvimento de qualquer criança. Mergulhando neste universo desconhecido por muitas pessoas e fugindo de regras consideradas normais pela sociedade, vamos conhecer os aspectos de ordem física e espiritual da Síndrome de Down.
Atualmente, existe muito mais informação a respeito do que há algumas décadas. A primeira descrição foi dada pelo médico inglês John Langdon Down, em 1866, chamada também de trissomia do 21, pela existência de um cromossomo extra no material genético. Porém, essa alteração cromossômica passou a ser estudada mais profundamente a partir das pesquisas do geneticista francês Jerome Lejeune, em 1958.
Portanto, a Síndrome de Down, chamada anteriormente de mongolismo (semelhança na aparência dos portadores com os povos mongóis), passou a ser considerada uma alteração genética e não uma doença, que ocorre pela presença de um cromossomo a mais. Ao invés de um par de cromossomos, ocorre a formação de um trio, elemento extra que se une ao par número 21, daí o nome Trissomia do 21. Essa má formação congênita é considerada a forma mais frequente de retardo mental causada por uma alteração cromossômica e ocorre com maior probabilidade na medida em que a mãe envelhece, além de outros aspectos que devem ser considerados.
As estatísticas mostram um para cada mil recém-nascidos de possibilidade na gestante na faixa dos 30 anos, enquanto na faixa dos 40 anos o número sobe para nove a cada mil, embora qualquer pessoa esteja sujeita a ter um filho com tal anomalia genética. Estima-se, hoje, que de cada 650 crianças nascidas, uma tenha Síndrome de Down. Em termos percentuais, esses números representam de 3% a 5% da população mundial. No Brasil, nascem por ano cerca de 8.000 bebês com a síndrome.
A Síndrome de Down pode ser diagnosticada por algumas características físicas diferentes de outras crianças, que gera atraso nas funções motoras do corpo e mentais, o que representa maior lentidão no processo de aprendizado. Esse atraso no desenvolvimento pode ser minimizado com uma intervenção precoce por meio de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, além de abordagens psicológica e pedagógica adequadas.
Dentro deste quadro de características existem muitos mitos, vejamos alguns: a Síndrome de Down não é hereditária; não é resultado do grau de parentesco dos pais; problemas durante a gestação não influenciam na geração de um portador e é importante lembrarmos que o problema está presente em todas as raças e sexos.
Em relação à expectativa de vida dos portadores, ocorreram muitas mudanças nos últimos dez anos com os avanços científicos, principalmente em relação a problemas cardíacos, uma das maiores causas de mortalidade entre os portadores. De todos indivíduos com a síndrome, 50% apresentam má formação no coração.
Aspectos espirituais
Embora as causas que ocasionam a Síndrome de Down não sejam conhecidas ainda pela Ciência, quando os questionamentos abrangem os aspectos espirituais, as explicações ganham outra dimensão muito além das pesquisas humanas.
Do ponto de vista espiritual, tudo tem uma razão de ser. É a lei de ação e reação (karma) que deve ser compreendida com a visão reencarnacionista. Diversas obras espíritas relatam o processo desde o momento da fecundação do feto ao seu nascimento, prova de que existe um planejamento muito grande no momento da reencarnação. O livro Missionários da Luz, o terceiro livro ditado pelo espírito André Luiz ao médium Chico Xavier, descreve o Ministério da Reencarnação e o empenho dos espíritos encarregados desta função.
Dentre milhões de espermatozoides e óvulos existentes, apenas um é escolhido para ser fecundado e essa escolha ocorre de acordo com as provas necessárias do espírito.
A necessidade de evolução do espírito possibilita a união do perispírito (o corpo astral e os corpos mais sutis) com o corpo físico, união esta capaz de gerar os órgãos que servirão como instrumento necessário de aprendizado. Segundo o capítulo XI do livro A Gênese, de Allan Kardec, é o próprio espírito quem fabrica seu envoltório de acordo com suas necessidades. “Ele o aperfeiçoa, o desenvolve e completa o organismo à medida que sente a necessidade de manifestar novas faculdades; numa palavra, ele o talha conforme sua inteligência... Assim se explica igualmente o cunho especial que o caráter do espírito imprime aos traços da fisionomia, e às linhas do corpo”.
Podemos encontrar em O Livro dos Espíritos, perguntas 371 a 374, respostas dos espíritos a Kardec sobre a idiotia (como a deficiência mental era chamada séculos atrás). A resposta à pergunta 373 sobre esses deficientes diz: “É uma expiação decorrente do abuso que fizeram de certas faculdades. É um estacionamento temporário”. Complementa dizendo: “O gênio se torna por vezes um flagelo, quando dele abusa o homem”.
Porém, é importante lembrarmos que cada caso é um caso. Generalizarmos algo é sempre complicado. Existem espíritos que pedem aos mentores espirituais a oportunidade de reencarnar com algum tipo de deficiência que julgam ser necessária para um melhor aproveitamento evolutivo que a reencarnação oferece.
Por outro lado, cabe também aos pais escolhidos para essa responsabilidade, claro que não por acaso, educar o espírito que chega ao lar, com amor, dedicação e acima de tudo, muita paciência, por ser realmente uma prova de muita coragem para ambas as partes. No caso do portador da Síndrome de Down, suas limitações o impedem de poder utilizar o corpo – que é um instrumento de manifestação do espírito – livremente.
Na maioria dos casos – e lembre-se que cada caso é um caso –, em encarnações anteriores, a inteligência pode ter sido mal direcionada. Espíritos que se valeram do brilho intelectual para prejudicar em demasia outras pessoas, ou abreviaram suas próprias vidas por não suportarem suas dores, gerando como consequência, distúrbios energéticos no perispírito. Estes desequilíbrios energéticos acabam prejudicando a formação do novo corpo, em nova encarnação.
Como nada acontece sem uma razão, os pais escolhidos para essa difícil missão, em razão de compromissos assumidos anteriormente ou por amor, recebem como “joalheiros da vida” o papel de transformar uma pedra bruta em joia preciosa. Como lembra o título do livro As Aves Feridas na Terra Voam, de autoria de Nancy Pullman, que aborda a trajetória dos excepcionais como espíritos encarnados no plano terrestre, esses espíritos precisam voltar a voar, mesmo com as asas quebradas na atual encarnação. Seus mais altos voos dependerão daqueles que o receberem em seus ninhos.
Pedagogia do Amor
A anomalia cromossômica causa alteração e mau funcionamento de diversos órgãos. E por afetar o cérebro, ocasiona também a dificuldade na manifestação intelectual, que varia de intensidade. Conforme esclarece a doutrina espírita, a inteligência é um atributo do espírito, mas para que esta se manifeste livremente no plano físico é necessário que o cérebro esteja em condições apropriadas.
Pesquisadores do mundo todo têm se surpreendido cada vez mais com o potencial de desenvolvimento das pessoas portadoras de alguma deficiência, algo que algum tempo atrás não era reconhecido.
Como todas as potencialidades na vida precisam ser estimuladas, no caso da Síndrome de Down é preciso doses ainda maiores de uma educação social e atenção afetiva, desde o nascimento da criança. Os avanços da Medicina têm permitido uma duração no tempo de reencarnação delas maior e com mais saúde, porém, todo progresso científico não terá o sentido que merece enquanto a exclusão social não for banida e substituída pela palavra dignidade.
É bastante comum, no meio familiar e escolar, as pessoas subestimarem a capacidade de aprendizado dos portadores de necessidades especiais. Cabe, portanto, àqueles que se norteiam pelos paradigmas espirituais das múltiplas existências, não se deixarem contaminar por ideias preconceituosas. Porque afinal de contas, apesar do corpo se encontrar limitado, essas dificuldades são transitórias e são necessárias para sua evolução.
A compreensão dos paradigmas que vão além da visão física dão um novo significado às dores da alma e ajuda na compreensão da importância do convívio social, tanto para o crescimento dos portadores, quanto da sociedade no exercício da compreensão e da fraternidade. Somente assim os muros do preconceito poderão ser substituídos pela pedagogia do amor, que sem dúvida, representa a mais eficaz das ferramentas renovadoras.
E lembrando que, crianças especiais merecem pais especiais, pois, apenas aqueles que podem dar amor, um grande amor e carinho tem o dom de serem pais de alguém especial.


Artigo publicado na Revista Cristã de Espiritismo, edição 43.

O Evangelho Segundo o Espiritismo por ALLAN KARDEC – tradução de José Herculano Pires



1 – Bem-aventurados os misericordiosos porque eles alcançarão misericórdia. (Mateus, V: 7).
2 – Se perdoardes aos homens as ofensas que vos fazem, também vosso Pai celestial vos perdoará os vossos pecados. Mas se não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará os vossos pecados. (Mateus, VI: 14 e 15).
3 – Se vosso irmão pecar contra ti, vai, e corrige-o entre ti e ele somente; se te ouvir, ganhado terás a teu irmão. Então, chegando-se Pedro a ele, perguntou: Senhor, quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, para que eu lhe perdoe? Será até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes. (Mateus, XVIII: 15, 21e 22).
4 – A misericórdia é o complemento da mansuetude, pois os que não são misericordiosos também não são mansos e pacíficos. Ela consiste no esquecimento e no perdão das ofensas. O ódio e o rancor denotam uma alma sem elevação e sem grandeza. O esquecimento das ofensas é próprio das almas elevadas, que pairam acima do mal que lhes quiseram fazer. Uma está sempre inquieta, é de uma sensibilidade sombria e amargurada. A outra é calma, cheia de mansuetude e caridade.

Infeliz daquele que diz: Eu jamais perdoarei! Porque, se não for condenado pelos homens, o será certamente por Deus. Com que direito pedirá perdão de suas próprias faltas, se ele mesmo não perdoa aos outros? Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites, quando diz que se deve perdoar ao irmão, não sete vezes, mas setenta vezes sete.
Mas há duas maneiras bem diferentes de perdoar. Uma é grande nobre, verdadeiramente generosa, sem segunda intenção, tratando com delicadeza o amor próprio e a suscetibilidade do adversário, mesmo quando a culpa foi inteiramente dele. A outra é quando o ofendido, ou aquele que assim se julga, impõe condições humilhantes ao adversário, fazendo-o sentir o peso de um perdão que irrita, em vez de acalmar. Se estender a mão, não é por benevolência, mas por ostentação, a fim de poder dizer a todos: Vede quanto sou generoso!
Nessas circunstâncias, é impossível que a reconciliação seja sincera, de uma e de outra parte. Não, isso não é generosidade, mas apenas uma maneira de satisfazer o orgulho. Em todas as contendas, aquele que se mostra mais conciliador, que revela mais desinteresse próprio, mais caridade e verdadeira grandeza de alma, conquistará sempre a simpatia das pessoas imparciais.

Reconciliar-se com os Adversários
5 – Concerta-te sem demora com o teu adversário, enquanto estás a caminho com ele, para que não suceda que ele te entregue ao juiz, e que o juiz te entregue ao seu ministro, e sejas mandado para a cadeia. Em verdade te digo que não sairás de lá, enquanto não pegares o último ceitil. (Mateus, V: 25e 26).
6 – Há na prática do perdão, e na prática do bem, em geral, além de um efeito moral, um efeito também material. A morte, como se sabe, não nos livra dos nossos inimigos. Os Espíritos vingativos perseguem sempre com o seu ódio, além da sepultura, aqueles que ainda são objeto do seu rancor. Daí ser falso, quando aplicado ao homem, o provérbio: “Morto o cão, acaba a raiva”. O Espírito mau espera que aquele a quem queira mal esteja encerrado em seu corpo, e assim menos livre, para mais facilmente o atormentar, atingindo-o nos seus interesses ou nas suas mais caras afeições. É necessário ver nesse fato a causa da maioria dos casos de obsessão, sobretudo daqueles que apresentam certa gravidade, como a subjugação e a possessão. O obsedado e o possesso são, pois, quase sempre, vítimas de uma vingança anterior, a que provavelmente deram motivo por sua conduta. Deus permite a situação atual, para os punir do mal que fizeram, ou, se não o fizeram, por haverem faltado com a indulgência e a caridade, deixando de perdoar. Importa, pois, com vistas à tranquilidade futura, reparar o mais cedo possível os males que se tenham praticado em relação ao próximo, e perdoar aos inimigos, para assim se extinguirem, antes da morte, todos os motivos de desavença, toda causa profunda de animosidade posterior. Dessa maneira se pode fazer, de um inimigo encarnado neste mundo, um amigo no outro, ou pelo menos ficar com a boa causa, e Deus não deixa ao sabor da vingança aquele que soube perdoar. Quando Jesus recomenda que nos reconciliemos o mais cedo possível com o nosso adversário, não quer apenas evitar as discórdias na vida presente, mas também evitar que elas se perpetuem nas existências futuras. Não sairás de lá, disse ele, enquanto não pagares o último ceitil, ou seja, até que a justiça divina não esteja completamente satisfeita.

O Sacrifício Mais Agradável A Deus
7 – Portanto, se estás fazendo a tua oferta diante do altar, e te lembrar aí que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali a tua oferta diante do altar, e vai te reconciliar primeiro com teu irmão, e depois virás fazer a tua oferta. (Mateus, V: 23e 24)
8 – Quando Jesus disse: “Vai te reconciliar primeiro com teu irmão, e depois virás fazer a tua oferta”, ensinou que o sacrifício mais agradável ao Senhor é o dos próprios ressentimentos: que antes de pedir perdão ao Senhor, é preciso que se perdoe aos outros, e que, se algum mal se tiver feito contra um irmão, é necessário tê-lo reparado. Somente assim a oferenda será agradável, porque é proveniente de um coração puro de qualquer mau pensamento. Ele materializa esse preceito, porque os judeus ofereciam sacrifícios materiais e era necessário conformar as suas palavras aos costumes do povo. O cristão não oferece prendas materiais, pois que espiritualizou o sacrifício, mas o preceito não tem menos força para ele. Oferecendo sua alma a Deus, deve apresentá-la purificada. Ao entrar no templo do Senhor, deve deixar lá fora todo sentimento de ódio e de animosidade, todo mau pensamento contra seu irmão. Só então sua prece será levada pelos anjos aos pés do Eterno. Eis o que ensina Jesus por essas palavras: “Deixai ali a tua oferta diante do altar, e vai te reconciliar primeiro com teu irmão”, se queres ser agradável a Deus.

O Argueiro e a Trave no Olho
9 – Por que vês tu, pois, o argueiro no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu olho? Ou como dizes a teu irmão: Deixa-me tirar-te do teu olho o argueiro, quando tens no teu uma trave? Hipócrita, tira primeira a trave do teu olho, e então verás como hás de tirar o argueiro do olho de teu irmão. (Mateus, VII: 3-5).
10 – Um dos caprichos da humanidade é ver cada qual o mal alheio antes do próprio. Para julgar-se a si mesmo, seria necessário poder mirar-se num espelho, transportar-se de qualquer maneira fora de si mesmo, e considerar-se como outra pessoa, perguntando: Que pensaria eu, se visse alguém fazendo o que faço? É o orgulho, incontestavelmente, o que leva o homem a disfarçar os seus próprios defeitos, tanto morais como físicos. Esse capricho é essencialmente contrário à caridade, pois a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente. A caridade orgulhosa é um contra senso, pois esses dois sentimentos se neutralizam mutuamente. Como, de fato, um homem bastante fútil para crer na importância de sua personalidade e na supremacia de suas qualidades, poderia ter ao mesmo tempo, bastante abnegação para ressaltar nos outros o bem que poderia eclipsá-lo, em lugar do mal que poderia pô-lo em destaque? Se o orgulho é a fonte de muitos vícios, é também a negação de muitas virtudes. Encontramo-lo no fundo e como móvel de quase todas as ações. Foi por isso que Jesus se empenhou em combatê-lo, como o principal obstáculo ao progresso.

Não Julgueis Para Não Serdes Julgados

NÃO JULGUEIS PARA NÃO SERDES JULGADOS. AQUELE QUE ESTIVER SEM PECADO QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA

11 – Não julgueis, pois, para não serdes julgados; porque com o juízo que julgardes os outros, sereis julgados; e com a medida com que medirdes, vos medirão também a vós. (Mateus, VII: 1-2).
12 – Então lhe trouxeram os escribas e os fariseus uma mulher que fora apanhada em adultério, e a puseram no meio, e lhe disseram: Mestre, esta mulher foi agora mesmo apanhada em adultério; e Moisés, na Lei, mandou apedrejar a estas tais. Qual é a vossa opinião sobre isto? Diziam pois os judeus, tentando-o, para o poderem acusar. Jesus, porém, abaixando-se, pôs-se a escrever com o dedo na terra. E como eles perseveraram em fazer-lhes perguntas, ergueu-se Jesus e disse-lhes: Aquele dentre vós que estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra. E tornando a abaixar-se, escrevia na terra. Mas eles, ouvindo-o, foram saindo um a um, sendo os mais velhos os primeiros. E ficou só Jesus com a mulher, que estava no meio, em pé. Então, erguendo-se, Jesus lhe disse: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém, Senhor. Então Jesus lhe disse: Nem eu tampouco te condenarei; vai, e não peques mais. (João, VIII: 3-11).
13 – “Aquele que estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra”, disse Jesus. Esta máxima faz da indulgência um dever, pois não há quem dela não necessite para si mesmo. Ensina que não devemos julgar os outros mais severamente do que nos julgamos a nós mesmos, nem condenar nos outros os que nos desculpamos em nós. Antes de reprovar uma falta de alguém, consideremos se a mesma reprovação não nos pode ser aplicada.
A censura de conduta alheia pode ter dois motivos: reprimir o mal, ou desacreditar a pessoa cujos atos criticamos. Este último motivo jamais tem escusa, pois decorre da maledicência e da maldade. O primeiro pode ser louvável, e torna-se mesmo um dever em certos casos, pois dele pode resultar um bem, e porque sem ele o mal jamais será reprimido na sociedade. Aliás, não deve o homem ajudar o progresso dos seus semelhantes? Não se deve, pois, tomar no sentido absoluto este princípio: “Não julgueis para não serdes julgados”, porque a letra mata e o espírito vivifica.
Jesus não podia proibir de se reprovar o mal, pois ele mesmo nos deu o exemplo disso, e o fez em termos enérgicos. Mas quis dizer que autoridade da censura está na razão da autoridade moral daquele que a pronuncia. Tornar-se culpável daquilo que se condena nos outros é abdicar dessa autoridade, e mais ainda, arrogar-se arbitrariamente o direito de repressão. A consciência íntima, de resto, recusa qualquer respeito e toda submissão voluntária àquele que, investido de algum poder, viola as leis e os princípios que está encarregado de aplicar. A única autoridade legítima, aos olhos de Deus, é a que se apoia no bom exemplo. É o que resulta evidentemente das palavras de Jesus.

I – Perdão das Ofensas
SIMEÃO
Bordeaux, 1862

14 – Quantas vezes perdoarei ao meu irmão? Perdoá-lo-eis, não sete vezes, mas setenta vezes sete. Eis um desses ensinos de Jesus que devem calar em vossa inteligência e falar bem alto ao vosso coração. Comparai essas palavras misericordiosas com a oração tão simples, tão resumida, e ao mesmo tempo tão grande nas suas aspirações, que Jesus ensinou aos discípulos, e encontrareis sempre o mesmo pensamento. Jesus, o justo por excelência, responde a Pedro: Perdoarás, mas sem limites; perdoarás cada ofensa, tantas vezes quantas ela vos for feita; ensinarás a teus irmãos esse esquecimento de si mesmo, que nos torna invulneráveis às agressões, aos maus tratos e às injúrias, serás doce e humilde de coração, não medindo jamais a mansuetude; e farás, enfim, para os outros, o que desejas que o Pai celeste faça por ti. Não tem Ele de te perdoar sempre, e acaso conta o número de vezes que o seu perdão vem apagar as tuas faltas?
Ouvi, pois essa resposta de Jesus, e como Pedro, aplicai-a a vós mesmos. Perdoai, usai a indulgência, sede caridosos, generosos, e até mesmo pródigos no vosso amor. Daí, porque o Senhor vos dará; abaixai-vos, que o Senhor vos levantará; humilhai-vos, que o Senhor vos fará sentar à sua direita.
Ide, meus bem-amados, estudai e comentai essas palavras que vos dirijo, da parte daquele que, do alto dos esplendores celestes, tem sempre os olhos voltados para vós, e continua com amor a tarefa ingrata que começou há dezoito séculos. Perdoai, pois, os vossos irmãos, como tendes necessidade de ser perdoados. Se os seus atos vos prejudicaram pessoalmente, eis um motivo a mais para serdes indulgentes, porque o mérito do perdão é proporcional à gravidade do mal, e não haveria nenhum em passar por alto os erros de vossos irmãos, se estes apenas vos incomodassem de leve.
Espíritas, não vos olvideis de que, tanto em palavras como em atos, o perdão das injúrias nunca deve reduzir-se a uma expressão vazia. Se vos dizeis espíritas, sede-o de fato: esquecei o mal que vos tenham feito, e pensai apenas numa coisa: no bem que possais fazer. Aquele que entrou nesse caminho não deve afastar-se dele, nem mesmo em pensamento, pois sois responsáveis pelos vossos pensamentos, que Deus conhece. Fazei, pois, que eles sejam desprovidos de qualquer sentimento de rancor. Deus sabe o que existe no fundo do coração de cada um. Feliz aquele que pode dizer cada noite, ao dormir: Nada tenho contra o meu próximo.

PAULO
Apóstolo, Lyon, 1861

15 – Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si mesmo; perdoar aos amigos é dar prova de amizade; perdoar as ofensas é mostrar que se melhora. Perdoai, pois, meus amigos, para que Deus vos perdoe. Porque, se fordes duros, exigentes, inflexíveis, se guardardes até mesmo uma ligeira ofensa, como quereis que Deus esqueça que todos os dias tendes grande necessidade de indulgência? Oh, infeliz daquele que diz: Eu jamais perdoarei, porque pronuncia a sua própria condenação! Quem sabe se, mergulhando em vós mesmos, não descobrireis que fostes o agressor? Quem sabe se, nessa luta que começa por um simples aborrecimento e acaba pela desavença, não fostes vós a dar o primeiro golpe? Se não vos escapou uma palavra ferina? Se usaste de toda a moderação necessária? Sem dúvida o vosso adversário está errado ao se mostrar tão suscetível, mas essa é ainda uma razão para serdes indulgentes, e para não merecer ele a vossa reprovação. Admitamos que fosseis realmente o ofendido, em certa circunstância. Quem sabe se não envenenastes o caso com represálias, fazendo degenerar numa disputa grave aquilo que facilmente poderia cair no esquecimento? Se dependeu de vós impedir as consequências, e não o fizestes, sois realmente culpado. Admitamos ainda que nada tendes a reprovar na vossa conduta, e, nesse caso, maior o vosso mérito, se vos mostrardes clemente.
Mas há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e o perdão do coração. Muitos dizem do adversário: “Eu o perdoo”, enquanto que, interiormente, experimentam um secreto prazer pelo mal que lhe acontece, dizendo-se a si mesmo que foi bem merecido. Quantos dizem: “Perdoo”, e acrescentam: “mas jamais me reconciliarei; não quero vê-lo pelo resto da vida”! É esse o perdão segundo o Evangelho? Não. O verdadeiro perdão, o perdão cristão, é aquele que lança um véu sobre o passado. É o único que vos será levado em conta, pois Deus não se contenta com as aparências: sonda o fundo dos corações e os mais secretos pensamentos, e não se satisfaz com palavras e simples fingimentos. O esquecimento completo e absoluto das ofensas é próprio das grandes almas; o rancor é sempre um sinal de baixeza e de inferioridade. Não esqueçais que o verdadeiro perdão se reconhece pelos atos, muito mais que pelas palavras.

II – A Indulgência
JOSÉ
Espírito Protetor, Bordeaux, 1863

16 – Espíritas, queremos hoje vos falar da indulgência, esse sentimento tão doce, tão fraternal, que todo homem deve ter para com os seus irmãos, mas que tão poucos praticam. A indulgência não vê os defeitos alheios, e se os vê, evita comentá-los e divulgá-los. Oculta-os, pelo contrário, evitando que se propaguem, e se a malevolência os descobre, tem sempre uma desculpa à mão para os disfarçar, mas uma desculpa plausível, séria, e não daquelas que, fingindo atenuar a falta, a fazem ressaltar com pérfida astúcia.
A indulgência jamais se preocupa com os maus atos alheios, a menos que seja para prestar um serviço, mas ainda assim com o cuidado de os atenuar tanto quanto possível. Não faz observações chocantes, nem traz censuras nos lábios, mas apenas conselhos, quase sempre velados. Quando criticais, que dedução se deve tirar das vossas palavras? A de que vós, que censurais, não praticastes o que condenais, e valeis mais do que o culpado. Oh, homens! Quando passareis a julgar os vossos próprios corações, os vossos próprios pensamentos e os vossos próprios atos, sem vos ocupardes do que fazem os vossos irmãos? Quando fitareis os vossos olhos severos somente sobre vós mesmos?
Sede, pois, severos convosco e indulgentes para com os outros. Pensai naquele que julga em última instância, que vê os secretos pensamentos de cada coração, e que, em consequência, desculpa frequentemente as faltas que condenais, ou condena as que desculpais, porque conhece o móvel de todas as ações. Pensai que vós, que clamais tão alto: “anátema!” talvez tenhais cometido faltas mais graves.
Sede indulgentes meus amigos, porque a indulgência atrai, acalma, corrige, enquanto o rigor desalenta, afasta e irrita.

JOÃO
Bispo de Bordeaux, 1862

17 – Sede indulgentes para as faltas alheias, quaisquer que sejam; não julgueis com severidade senão as vossas próprias ações e o Senhor usará de indulgência para convosco, como usastes para com os  outros.
Sustentai os fortes: estimulai-os à perseverança; fortificai os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus, que leva em conta o menor arrependimento; mostrai a todos o anjo da contrição, estendendo suas brancas asas sobre as faltas humanas, e assim ocultando-as aos olhos daqueles que não podem ver o que é impuro. Compreendei toda a misericórdia infinita de vosso Pai, e nunca vos esqueçais de lhe dizer em pensamento, mas sobretudo pelas vossas ações: “Perdoai as nossas ofensas, como perdoamos aos nossos ofensores”. Compreendi bem o valor destas sublimes palavras; pois não são admiráveis apenas pela letra, mas também pelo espírito que elas encerram.
Que solicitais ao Senhor quando lhe pedis perdão? Somente o esquecimento de vossas faltas? Esquecimento de que nada vos deixas, pois se Deus se contentasse de esquecer as vossas faltas, não vos puniria, mas também não vos recompensaria. A recompensa não pode ser pelo bem que não fez, e menos ainda pelo mal que se tenha feito, mesmo que esse mal fosse esquecido. Pedindo perdão para as vossas transgressões, pedis o favor de sua graça, para não cairdes de novo, e a força necessária para entrardes numa nova senda, numa senda de submissão e de amor, na qual podereis juntar a reparação ao arrependimento.
Quando perdoardes os vossos irmãos, não vos contenteis com estender o véu do esquecimento sobre as suas faltas. Esse véu é quase sempre muito transparente aos vossos olhos. Acrescentai o amor ao vosso perdão, fazendo por ele o que pedis a vosso Pai Celeste que faça por vós. Substituí a cólera que mancha, pelo amor que purifica. Pregai pelo exemplo essa caridade ativa, infatigável, que Jesus vos ensinou. Pregai-a como ele mesmo o fez por todo o tempo em que viveu na Terra, visível para os olhos do corpo, e como ainda prega, sem cessar, depois que se fez visível apenas para os olhos do espírito. Segui esse divino modelo, marchai sobre as suas pegadas: elas vos conduzirão ao refúgio onde encontrareis o descanso após a luta. Como ele, tomai a vossa cruz e subi penosamente, mas corajosamente, o vosso calvário: no seu cume está a glorificação.

DUFÉTRE
Bispo de Nevers, Bordeaux

18 – Queridos amigos, sede severos para vós mesmos e indulgentes para as fraquezas alheias. Essa é também uma forma de praticar a santa caridade, que bem poucos observam. Todos vós tendes más tendências a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a modificar. Todos vós tendes um fardo mais ou menos pesado que alijar, para subir ao cume da montanha do progresso. Por que, pois, ser tão clarividentes quando se trata do próximo, e tão cegos quando se trata de vós mesmos? Quando deixareis de notar, no olho de vosso irmão, um argueiro que o fere, sem perceber a trave que vos cega e vos faz caminhar de queda em queda? Crede nos Espíritos, vossos irmãos. Todo homem bastante orgulhoso para se julgar superior, em virtudes e méritos, aos seus irmãos encarnados, é insensato e culpado e Deus o castigará, no dia da sua justiça. O verdadeiro caráter da caridade é a modéstia e a humildade, e consiste em não se verem superficialmente os defeitos alheios, mas em se procurar destacar o que há de bom e virtuoso no próximo. Porque, se o coração humano é um abismo de corrupção, existem sempre, nos seus mais ocultos refolhos, os germes de alguns bons sentimentos, centelhas ardentes da essência espiritual.
Espiritismo, doutrina consoladora e bendita, felizes os que te conhecem e empregam proveitosamente os salutares ensinos dos Espíritos do Senhor! Para esses, o ensino é claro, e ao longo de todo o caminho eles podem ler estas palavras, que lhes indicam a maneira de atingir o alvo: caridade prática, caridade para o próximo como para si mesmo. Em uma palavra, caridade para com todos e amor de Deus sobre todas as coisas, porque o amor de Deus resume todos os deveres, e porque é impossível amar a Deus sem praticar a caridade, da qual Ele faz uma lei para todas as criaturas.

III – É Permitido Repreender Os Outros?
SÃO LUIS
Paris, 1860

19 – Ninguém sendo perfeito, não se segue que ninguém tem o direito de repreender o próximo?
Certamente que não, pois cada um de vós deve trabalhar para o progresso de todos, e sobretudo dos que estão sob a vossa tutela. Mas isso é também uma razão para o fazerdes com moderação, com uma intenção útil, e não como geralmente se faz, pelo prazer de denegrir. Neste último caso, a censura é uma maldade; no primeiro, é um dever que a caridade manda cumprir com todas as cautelas possíveis; e ainda assim, a censura que se faz a outro deve ser endereçada também a nós mesmos, para vermos se não a merecemos.

SÃO LUIS
Paris, 1860

20 – Será repreensível observar as imperfeições dos outros, quando disso não possa resultar nenhum benefício para eles, e mesmo que não as divulguemos?
Tudo depende da intenção. Certamente que não é proibido ver o mal, quando o mal existe. Seria mesmo inconveniente ver-se por toda a parte somente o bem: essa ilusão prejudicaria o progresso. O erro está em fazer essa observação em prejuízo do próximo, desacreditando-o sem necessidade na opinião pública. Seria ainda repreensível fazê-la com um sentimento de malevolência, e de satisfação por encontrar os outros em falta. Mas dá-se inteiramente o contrário, quanto, lançando um véu sobre o mal, para ocultá-lo do público, limitamo-nos a observá-lo para proveito pessoal, ou seja, para estudá-lo e evitar aquilo que censuramos nos outros. Essa observação, aliás, não é útil ao moralista? Como descreveria ele as extravagâncias humanas, se não estudasse os seus exemplos?

SÃO LUIS
Paris, 1860

21 – Há casos em que seja útil descobrir o mal alheio?

Esta questão é muito delicada, e precisamos recorrer à caridade bem compreendida. Se as imperfeições de uma pessoa só prejudicam a ela mesma, não há jamais utilidade em divulgá-las. Mas se elas podem prejudicar a outros, é necessário preferir o interesse do maior número ao de um só. Conforme as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, pois é melhor que um homem caia, do que muitos serem enganados e se tornarem suas vítimas. Em semelhante caso, é necessário balancear as vantagens e os inconvenientes.

Felicidade que a prece proporciona


 
Vinde, vós que desejais crer. Os Espíritos celestes acorrem a vos anunciar grandes coisas. Deus, meus filhos, abre os seus tesouros, para vos outorgar todos os benefícios. Homens incrédulos! Se soubésseis quão grande bem faz a fé ao coração e como induz a alma ao arrependimento e à prece! A prece! Ah! Como são tocantes as palavras que saem da boca daquele que ora! A prece é o orvalho divino que aplaca o calor excessivo das paixões. Filha primogênita da fé, ela nos encaminha para a senda que conduz a Deus. No recolhimento e na solidão, estais com Deus. Para vós, já não há mistérios; eles se vos desvendam. Apóstolos do pensamento é para vós a vida. Vossa alma se desprende da matéria e rola por esses mundos infinitos e etéreos, que os pobres humanos desconhecem.
Avançai, avançai pelas veredas da prece e ouvireis as vozes dos anjos. Que harmonia! Já não são o ruído confuso e os sons estrídulos da Terra; são as liras dos arcanjos; são as vozes brandas e suaves dos serafins, mais delicadas do que as brisas matinais, quando brincam na folhagem dos vossos bosques. Por entre que delícias não caminhareis! A vossa linguagem não poderá exprimir essa ventura, tão rápida entra ela por todos os vossos poros, tão vivo e refrigerante é o manancial em que, orando se bebe. Dulçurosas vozes, inebriantes perfumes, que a alma ouve e aspira, quando se lança a essas esferas desconhecidas e habitadas pela prece! Sem mescla de desejos carnais, são divinas todas as aspirações. Também vós, orai como o Cristo, levando a sua cruz ao Gólgota, ao Calvário. Carregai a vossa cruz e sentireis as doces emoções que lhe perpassavam n'alma, se bem que vergado ao peso de um madeiro infamante. Ele ia morrer, mas para viver a vida celestial na morada de seu Pai. - Santo Agostinho. (Paris, 1861.)


Allan Kardec
O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB. Capítulo 27. Item 23.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

NINGUÉM PODE VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO


Ressurreição e Reencarnação
1 – E veio Jesus para os lados de Cesaréia de Felipe, e interrogou seus discípulos, dizendo: Que dizem os homens que é o Filho do Homem? E eles responderam: Uns dizem que é João Batista, mas outros que é Elias, e outros que Jeremias ou algum dos Profetas. Disse-lhes Jesus: E vós, quem dizeis que sou eu? Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, filho do Deus vivo. E respondendo Jesus, lhe disse: Bem aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foi à carne e o sangue que te revelaram isso, mas sim meu Pai, que está nos Céus”. (Mateus, XVI: 13-17)
2 – E chegou a Herodes, o Tetrarca notícia de tudo o que Jesus obrava, e ficou como suspenso, porque diziam uns: É João que ressurgiu dos mortos; e outros: É Elias que apareceu; e outros: É um dos antigos profetas que ressuscitou. Então disse Herodes: Eu mandei degolar a João; quem é, pois, este, de quem ouço semelhantes coisas? E buscava ocasião de o ver. (Marcos, VI: 14-15; Lucas, IX: 7-9)
3 – (Após a transfiguração). E os discípulos lhe perguntaram, dizendo: Pois por que dizem os escribas que importa vir Elias primeiro? Mas ele, respondendo, lhes disse: Elias certamente há de vir, e restabelecerá todas as coisas: digo-vos, porém, que Elias já veio, e eles não o conheceram, antes fizeram dele quanto quiseram. Assim também o Filho do Homem há de padecer às suas mãos. Então compreenderam os discípulos que de João Batista é que ele lhes falara. (Mateus, XVII: 10-13; Marcos, XVIII: 10-12)


RESSURREIÇÃO E REENCARNAÇÃO

4 – A reencarnação fazia parte dos dogmas judeus, sob o nome de ressurreição. Somente os saduceus, que pensavam que tudo acabava com a morte, não acreditavam nela. As ideias dos judeus sobre essa questão, como sobre muitas outras, não estavam claramente definidas. Porque só tinham noções vagas e incompletas sobre a alma e sua ligação com o corpo. Eles acreditavam que um homem podia reviver, sem terem uma ideia precisa da maneira por que isso se daria, e designavam pela palavra ressurreição o que o Espiritismo chama, mais justamente, de reencarnação. Com efeito, a ressurreição supõe o retorno à vida do próprio cadáver, o que a Ciência demonstra ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já estão há muito dispersos e consumidos. A reencarnação é à volta da alma ou Espírito à vida corpórea, mas num outro corpo, novamente constituído, e que nada tem a ver com o antigo. A palavra ressurreição podia, assim, aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos demais profetas. Se, portanto, segundo sua crença, João Batista era Elias, o corpo de João não podia ser o de Elias, pois que João tinha sido visto criança e seus pais eram conhecidos. João podia ser, pois, Elias reencarnado, mas não ressuscitado.
5 – E havia um homem dentre os fariseus, por nome Nicodemos, senador dos judeus. Este, uma noite, veio buscar a Jesus, e disse-lhe: Rabi, sabemos que és mestre, vindo da parte de Deus, porque ninguém pode fazer estes milagres, que tu fazes, se Deus não estiver com ele. Jesus respondeu e lhe disse: Na verdade, na verdade te digo que não pode ver o Reino de Deus senão aquele que renascer de novo. Nicodemos lhe disse: Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode entrar no ventre de sua mãe e nascer outra vez? Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus, o que é nascido de carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te maravilhes de eu te dizer que vos importa nascer de novo. O Espírito sopra onde quer, e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde ele vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do Espírito. Perguntou Nicodemos: Como se pode fazer isto? Respondeu Jesus: Tu és mestre em Israel, e não sabes estas coisas? Em verdade, em verdade te digo: que nós dizemos o que sabemos, e damos testemunho do que vimos, e vós, com tudo isso, não recebeis o nosso testemunho. Se quando eu vos tenho falado das coisas terrenas, ainda assim me credes, como creríeis, se eu vos falasse das celestiais? (João, III: 1-12)
6 – A ideia de que João Batista era Elias, e de que os profetas podiam reviver na Terra, encontra-se em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima reproduzidas (nº 1 a 3). Se essa crença fosse um erro, Jesus não deixaria de combatê-la, como fez com tantas outras. Longe disso, porém, ele a sancionou com toda a sua autoridade, e a transformou num princípio, fazendo-a condição necessária, quando disse: Ninguém pode ver o Reino dos Céus, se não nascer de novo. E insistiu, acrescentando: Não te maravilhes de eu ter dito que é necessário nascer de novo.
7 – Estas palavras: “Se não renascer da água e do Espírito”, foram interpretadas no sentido da regeneração pela água do batismo. Mas o texto primitivo diz simplesmente: Não renascer da água e do Espírito, enquanto que, em algumas traduções, a expressão do Espírito foi substituída por do Espírito Santo, o que não corresponde ao mesmo pensamento. Esse ponto capital ressalta dos primeiros comentários feitos sobre o Evangelho, assim como um dia será constatado sem equívoco possível. (1)
8 – Para compreender o verdadeiro sentido dessas palavras, é necessário reportar à significação da palavra, que não foi empregada no seu sentido específico. Os antigos tinham conhecimentos imperfeitos sobre as ciências físicas, e acreditavam que a Terra havia saído das águas. Por isso, consideravam a água como o elemento gerador absoluto. É assim que encontramos no Gênesis: “O Espírito de Deus era levado sobre as águas”, “flutuava sobre as águas”, “que o firmamento seja no meio das águas”, que as águas que estão sob o céu se reúnam num só lugar, e que o elemento árido apareça”, “que as águas produzam animais viventes, que nadem na água, e pássaros que voem sobre a terra e debaixo do firmamento”.
Conforme essa crença, a água se transformara no símbolo da natureza material, como o Espírito o era da natureza inteligente. Estas palavras: “Se o homem renascer da água e do Espírito”, ou “na água e no Espírito”, significam, pois: “Se o homem não renascer com o corpo e a alma”. Neste sentido é que foram compreendidas no princípio.
Esta interpretação se justifica, aliás, por estas outras palavras: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito”. Jesus faz aqui uma distinção positiva entre o Espírito e o corpo. “O que é nascido da carne é carne”, indica claramente que o corpo procede apenas do corpo, e que o Espírito é independente dele.
9 – “O Espírito sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai”, é uma passagem que se pode entender pelo Espírito de Deus que dá a vida a quem quer, ou pela alma do homem. Nesta última acepção, a sequência: “mas não sabes de onde vem nem para onde vai”, significa que não se sabe o que foi nem o que será o Espírito. Se, pelo contrário, o Espírito, ou alma, fosse criado com o corpo, saberíamos de onde ele vem, pois conheceríamos o seu começo. Em todo caso, esta passagem é a consagração do principio da preexistência da alma, e, por conseguinte da pluralidade das existências.
10 – Desde os tempos de João Batista até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força, e os que fazem violência são os que o arrebatam. Porque todos os profetas e a lei, até João, profetizaram. E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir. O que tem ouvidos de ouvir, ouça”. (Mateus, XI: 12-15)
11 – Se o princípio da reencarnação, expresso em São João, podia, a rigor, ser interpretado num sentido puramente místico, já não aconteceria o mesmo nesta passagem de São Mateus, onde não há equívoco possível: “Ele mesmo é o Elias que há de vir”. Aqui não existe figura, em alegoria; trata-se de uma afirmação positiva. “Desde o tempo de João Batista até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força”, que significam estas palavras, pois João ainda vivia no momento em que foram ditas? Jesus as explica, ao dizer: “E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir”. Ora, João tendo sido Elias, Jesus alude ao tempo em que João vivia com o nome de Elias. “Até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força”, é outra alusão à violência da lei mosaica, que ordenava o extermínio dos infiéis, para a conquista a Terra Prometida, Paraíso dos hebreus que, segundo a nova lei, o céu é ganho pela caridade e pela brandura. A seguir, acrescenta: “O que tem ouvidos de ouvir, ouça”. Essas palavras, tão frequentemente repetidas por Jesus, exprimem claramente que nem todos estavam em condições de compreender certas verdades.
12 – Os teus mortos viverão. Os meus, a quem tiraram a vida, ressuscitarão. Despertai e cantai louvores, vós os que habitais no pó, porque o orvalho que cai sobre vós é orvalho de luz, e arruinareis a terra e o reino dos gigantes”. (Isaias, XXVI: 19)
13 – Esta passagem de Isaias é também bastante clara: “Os teus mortos viverão”. Se o profeta tivesse querido falar da vida espiritual, se tivesse querido dizer que os mortos não estavam mortos em Espírito, teria dito: “ainda vivem”, e não: “viverão”. Do ponto de vista espiritual, essas palavras seriam um contra senso, pois implicariam uma interrupção na vida da alma. No sentido de regeneração moral, seriam as negações das penas eternas, pois estabelecem o princípio de que todos os mortos reviverão.
14 – Quando o homem morre uma vez, e seu corpo, separado do espírito, é consumido, em que se torna ele? Tendo o homem morrido uma vez, poderia ele reviver de novo? Nesta guerra em que me encontro, todos os dias de minha vida, estou esperando que chegue a minha mutação (Job, XIV: 10-14, segundo a tradução de Sacy).
Quando o homem morre, perde toda a sua força e expira depois, onde está ele? Se o homem morre, tornará a viver? Esperarei todos os dias de meu combate, até que chegue a minha transformação? (Id. Tradução protestante de Osterwald).
Quando o homem está morto, vive sempre; findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente. (Id. Versão da Igreja Grega).
15 – O princípio da pluralidade das existências está claramente expresso nessas três versões. Não se pode supor que Job quisesse falar da regeneração pela água do batismo, que ele certamente não conhecia. “Tendo o homem morrido uma vez, poderia ele reviver de novo?” A ideia de morrer uma vez e reviver implicam a de morrer e reviver muitas vezes. A versão da Igreja Grega é ainda mais explicita, se possível: “Findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente”. Quer dizer: eu voltarei à existência terrena. Isto é tão claro como se alguém dissesse. “Saio de casa, mas a ela voltarei.”
“Nesta guerra em que me encontro, todos os dias de minha vida, estou esperando que chegue a minha mutação”. Job quer falar, evidentemente, da luta que sustenta as misérias da vida. Ele espera a sua mutação, ou seja, ele se resigna. Na versão grega, a expressão “esperarei”, parece antes se aplicar à nova existência: “Findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente”, Job parece colocar-se, após a morte, num intervalo que separa uma existência de outra, e dizer que ali esperará o seu retorno.
16 – Não é, pois, duvidoso, que sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação fosse uma das crenças fundamentais dos judeus, e que ela foi confirmada por Jesus e pelos profetas, de maneira formal. Donde se segue que negar a reencarnação é renegar as palavras do Cristo. Suas palavras, um dia, constituirão autoridade sobre este ponto, como sobre muitos outros, quando forem meditadas sem partidarismo.
17 – A essa autoridade, de natureza religiosa, virá juntar-se no plano filosófico, a das provas que resultam da observação dos fatos. Quando dos efeitos se quer remontar às causas, a reencarnação aparece como uma necessidade absoluta, uma condição inerente à humanidade, em uma palavra, como uma lei da natureza. Ela se revela, pelos seus resultados, de maneira por assim dizer material, como o motor oculto se revela pelo movimento que produz. Somente ela pode dizer ao homem de onde ele vem, para onde vai, por que se encontra na Terra, e justificar todas as anomalias e todas as injustiças aparentes da vida.
Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, a maior parte das máximas do Evangelho são ininteligíveis, e por isso tem dado motivo a interpretações tão contraditórias. Esse princípio é a chave que deve restituir-lhes o verdadeiro sentido.
Os Laços de Família são Fortalecidos pela Reencarnação e Rompidos pela Unicidade da Existência
18 – Os laços de família não são destruídos pela reencarnação, como pensam certas pessoas. Pelo contrário, são fortalecidos e reapertados. O princípio oposto é que os destrói.
Os Espíritos formam, no espaço, grupos ou famílias, unidos pela afeição, pela simpatia e a semelhança de inclinações. Esses Espíritos, felizes de estarem juntos, procuram-se. A encarnação só os separa momentaneamente, pois que, uma vez retornando a erraticidade, eles se reencontram, como amigos na volta de uma viagem. Muitas vezes eles seguem juntos na encarnação, reunindo-se numa mesma família ou num mesmo círculo, e trabalham juntos para o seu progresso comum. Se uns estão encarnados e outros não, continuarão unidos pelo pensamento. Os que estão livres velam pelos que estão cativos, os mais adiantados procurando fazer progredir os retardatários. Após cada existência terão dado mais um passo na senda da perfeição.
Cada vez menos apegados à matéria, seu afeto é mais vivo, por isso mesmo que mais purificado, não perturbado pelo egoísmo nem obscurecido pelas paixões. Assim, eles poderiam percorrer um número ilimitado de existências corporais, sem que nenhum acidente perturbe sua afeição comum.
Estenda-se bem que se trata aqui da verdadeira afeição espiritual, de alma para alma, a única que sobrevive à destruição do corpo, pois os seres que se unem na Terra apenas pelos sentidos, não têm nenhum motivo para se preocuparem no mundo dos Espíritos. Só são duráveis as afeições espirituais. As afeições carnais extinguem-se com a causa que as provocou; ora, essa causa deixa de existir no mundo dos Espíritos, enquanto a alma sempre existe. Quanto às pessoas que se unem somente por interesse, nada são realmente uma para outra: a morte as separa na Terra e no Céu.
19 – A união e a afeição entre parentes indicam a simpatia anterior que as aproximou. Por isso, diz-se de uma pessoa cujo caráter, cujos gostos e inclinações nada têm de comum com os dos parentes, que ela não pertence à família. Dizendo isso, enuncia-se uma verdade maior do que se pensa. Deus permite essas encarnações de Espíritos antipáticos ou estranhos nas famílias, com a dupla finalidade de servirem de provas para uns e de meio de progresso para outros. Os maus se melhoram pouco a pouco, ao contato dos bons e pelas atenções que deles recebem, seu caráter se abranda, seus costumes se depuram, as antipatias desaparecem. É assim que se produz a fusão das diversas categorias de Espíritos, como se faz na Terra entre as raças e os povos.
20 – O medo do aumento indefinido da parentela, em consequência da reencarnação, é um medo egoísta, provando que não se possui uma capacidade de amor suficientemente ampla, para abranger um grande número de pessoas. Um pai que tem numerosos filhos, por acaso os amaria menos do que se tivesse apenas um? Mas que os egoístas se tranquilizem, pois esse medo não tem fundamento. Do fato de ter um homem dez encarnações, não se segue que tenha de encontrar no mundo dos Espíritos dez mães, dez esposas e um número proporcional de filhos e de novos parentes. Ele sempre encontrará os mesmos que foram objetos de sua afeição, que lhe estiveram ligados na Terra por diversas maneiras, e talvez pelas mesmas maneiras.
21 – Vejamos agora as consequências da doutrina anti-reencarnacionista. Essa doutrina exclui necessariamente a preexistência da alma, e as almas sendo criadas ao mesmo tempo em que os corpos, não existem entre elas nenhuma ligação anterior. São, pois, completamente estranhas umas às outras. O pai é estranho para o filho, e a união das famílias fica assim reduzida unicamente à filiação corporal, sem nenhuma ligação espiritual. Não haverá, portanto nenhum motivo de vanglória por se ter entre os antepassados algumas personagens ilustres. Com a reencarnação, antepassados e descendentes podem ser conhecidos, ter vivido juntos, podem se ter amado, e mais tarde se reunirem de novo para estreitar os seus laços de simpatia.
22 – Isso no tocante ao passado. Quanto ao futuro, segundo os dogmas fundamentais que decorrem do princípio anti-reencarnacionista, a sorte das almas está irrevogavelmente fixada após uma única existência. Essa fixação definitiva da sorte implica a negação de todo o progresso, pois se há algum progresso, não pode haver fixação definitiva da sorte. Segundo tenham elas bem ou mal vivido, vão imediatamente para a morada dos bem-aventurados ou para o inferno eterno. Ficam assim imediatamente separadas para sempre, sem esperanças de jamais se reunirem, de tal maneira que pais, mães e filhos, maridos e esposas, irmãos e amigos, não têm nunca a certeza de se reverem: é a mais absoluta ruptura dos laços de família.
Com a reencarnação, e o progresso que lhe é consequente, todos os que se amam se encontram na terra e no espaço, e juntos gravitam para Deus. Se há os que fracassam no caminho, retardam o seu adiantamento e a sua felicidade. Mas nem por isso as esperanças estão perdidas. Ajudados, encorajados e amparados pelos que os amam, sairão um dia do atoleiro em que caíram. Com a reencarnação, enfim, há perpétua solidariedade entre os encarnados e os desencarnados, do que resulta o estreitamento dos laços de afeição.
23. Em resumo, quatro alternativas se apresentam ao homem, para o seu futuro de além-túmulo: 1º) o nada, segundo a doutrina materialista; 2º) a absorção no todo universal, segundo a doutrina panteísta; 3º) a conservação da individualidade, com fixação definitiva da sorte, segundo a doutrina da Igreja;  4º) a conservação da individualidade, com o progresso infinito, segundo a doutrina espírita. De acordo com as duas primeiras, os laços de família são rompidos pela morte, e não há nenhuma esperança de se reencontrarem; com a terceira, há possibilidade de se reverem, contanto que esteja no mesmo meio, podendo esse meio ser o inferno ou o paraíso; com a pluralidade das existências, que é inseparável do progresso gradual, existe a certeza da continuidade das relações entre os que se amam, e é isso o que constitui a verdadeira família.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS
I – Limites da Encarnação
24 – Quais são os limites da encarnação?
A encarnação não tem, propriamente falando, limites nitidamente traçados, se por isto se entende o envoltório que constitui o corpo do Espírito, pois a materialidade desse envoltório diminui à medida que o Espírito se purifica. Em certos mundos, mais avançados que a Terra, ele já se apresenta menos compacto, menos pesado e menos grosseiro, e consequentemente menos sujeito a vicissitudes. Num grau mais elevado, desmaterializa-se e acaba por se confundir com o perispírito. De acordo com o mundo a que o Espírito é chamado a viver, ele se reveste do envoltório apropriado à natureza desse mundo.
O perispírito mesmo sofre transformações sucessivas. Eteriza-se mais e mais, até a purificação completa, que constitui a natureza dos Espíritos puros. Se mundos especiais estão destinados, como estações, aos Espíritos mais avançados, estes não ficam sujeitos a eles, como nos mundos inferiores: o estado de libertação que já atingiram permite-lhes viajar para toda parte, onde quer que sejam chamados pelas missões que lhes foram confiadas.
Se considerarmos a encarnação do ponto de vista material, tal como a vemos na Terra, podemos dizer que ela se limita aos mundos inferiores. Depende do Espírito, portanto, libertar-se mais ou menos rapidamente da encarnação, trabalhando pela sua purificação.
Temos ainda a considerar que, no estado de erraticidade, ou seja, no intervalo das existências corporais, a situação do Espírito está em relação com a natureza do mundo a que o liga o seu grau de adiantamento. Assim, na erraticidade, ele é mais ou menos feliz, livre e esclarecido, segundo for mais ou menos desmaterializado.
II – Necessidade da Encarnação
25 – A encarnação é uma punição, e somente os Espíritos culpados é que lhe estão sujeitos?
A passagem dos Espíritos pela vida corpórea é necessária, para que eles possam realizar, com a ajuda do elemento material, os propósitos cuja execução Deus lhes confiou. É ainda necessária por eles mesmos, pois a atividade que então se vêem obrigados a desempenhar ajuda-os a desenvolver a inteligência. Deus, sendo soberanamente justo, deve aquinhoar equitativamente a todos os seus filhos. É por isso que Ele concede a todos o mesmo ponto de partida, a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de ação. Todo privilégio seria uma preferência, e toda preferência uma injustiça. Mas a encarnação, para todos os Espíritos, é apenas um estado transitório. É uma tarefa que Deus lhes impõe, no princípio da existência, como primeira prova do uso que farão do seu livre arbítrio. Os que executam essa tarefa com zelo, sobem rapidamente, e de maneira menos penosa, os primeiros degraus da iniciação, e gozam mais cedo o resultado do seu trabalho. Os que, ao contrário, fazem mau uso da liberdade que Deus lhes concede, retardam o seu progresso. E é assim que por sua obstinação, podem prolongar indefinidamente a necessidade de se reencarnarem. E é então que a encarnação se torna um castigo.
26 – Observação – Uma comparação vulgar nos fará melhor compreender esta diferença. O estudante não atinge os graus superiores, sem ter percorrido a série de classes que o levam até lá. Essas classes, por mais trabalho que exijam, são o meio de atingir o fim, e não uma punição. O estudante laborioso abrevia a caminhada, encontrando menos dificuldades. Acontece o contrário com aquele que a negligência e a preguiça obrigam a repetir certas classes. Não é, porém, o estudo que constitui uma punição, mas a obrigação de recomeçá-lo em cada classe.
É o que se passa com o homem na Terra. Para o Espírito do selvagem, que está quase no começo da vida espiritual, a encarnação é um meio de desenvolver a inteligência. Mas, para o homem esclarecido, em que o senso moral está largamente desenvolvido, e que se vê obrigado a repetir as etapas de uma vida corporal cheia de angústias, enquanto já podia ter atingido o fim, é um castigo, pela necessidade em que se acha de prolongar a sua permanência nos mundos inferiores e infelizes. Aquele que, ao contrário, trabalha ativamente para o seu progresso moral, pode não somente abreviar a duração de sua encarnação material, mas franquear de uma vez os graus intermediários, que o distanciam dos mundos superiores.
Os Espíritos não poderiam encarnar-se uma só vez num mesmo globo, e passar suas diferentes existências em diferentes esferas? Esta opinião seria admissível, se todos os homens estivessem na Terra, exatamente no mesmo nível intelectual e moral. As diferenças existentes entre eles, desde o selvagem até o homem civilizado, revelam os graus que têm de percorrer. A encanação, aliás, deve ter uma finalidade útil. Ora, qual seria a finalidade das encarnações efêmeras, das crianças que morrem em tenra idade?

Teriam sofrido sem qualquer proveito, nem para elas nem para os outros? Deus, cujas leis são todas soberanamente sábias, nada faz de inútil. Pelas reencarnações no mesmo globo, quis que os mesmos Espíritos se pusessem de novo em contato, tendo assim ocasião de reparar as suas faltas recíprocas. E tendo e conta as suas relações anteriores, quis, ainda, fundar uma base espiritual os laços de família, apoiando numa lei natural os princípios de solidariedade, fraternidade e igualdade.

CAP. IV DO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO